segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Crer ou Não Crer, Eis a Questão.

Aparentemente, o Brasil passa por uma grande mudança, mas este ensaio não pretende abordar as questões políticas do Brasil, pretende abordar a questão do crer ou não crer. No entanto, algumas questões políticas do Brasil serão oportunamente abordadas. O texto começou com a palavra “aparentemente”, por uma razão muito simples, não lembro de nenhum momento em minha vida, em que o Brasil não estivesse passando por uma grande mudança, ou pelo menos, passando por uma transição para uma grande mudança, que sempre resulta em mais do mesmo.

Então vamos observar a lista de mudanças, a partir do momento em que eu comecei a acompanhá-las, lá pelos meus sete anos de idade: 1) o milagre brasileiro no governo Médice; 2) a abertura política no governo Geisel; 3) reforma partidária no governo Figueiredo; 4) fim dos governos militares com a eleição de Tancredo; 5) transição para a democracia no governo Sarney; 6) Constituição de 1988; 7) eleição direta do Collor; 8) impeachment do Collor; 9) Plano Real no governo Itamar; 10) estabilização da economia no governo FHC; 11) PT na presidência da república; 12) impeachment da Dilma e retirada do PT do governo federal; 13) o atual governo Michel Temer.

As mudanças elencadas estão sempre relacionadas com conjunturas políticas e sociais, como inflação, campanha das diretas já, caras pintadas e operação Lava Jato. Mas este ensaio não tem o objetivo de abordar as questões políticas e conjunturais do Brasil, apenas está utilizando-as oportunamente, ou seja, matar dois coelhos uma só caixa d'água. Ou seria cajadada? Bem, no caso dos coelhos, cada um escolhe se quer matá-los com uma paulada ou afogando-os.

Para aqueles que já estão perguntando, o que “crer ou não crer” tem a ver com isso, vou lembrar uma mudança em especial. Os governos militares implantaram no sistema de ensino, a disciplina de Educação Moral e Cívica, que tinha como objetivo induzir os alunos a acreditarem no governo. A disciplina de Educação Moral e Cívica esta incluída no projeto de reforma do ensino, apresentada pelo atual governo, do Michel Temer, com o mesmo objetivo que tinha nos governos militares, proporcionar credibilidade ao governo.

Mas existe nessa mudança, um detalhe muito importante, que aparentemente é de pouca relevância. A disciplina de Educação Moral e Cívica sempre foi combatida pela oposição aos governos militares e o PT foi quem fez a oposição mais severa contra a existência dessa disciplina nas escolas. Agora estamos vendo o PT fazendo severa oposição à reforma apresentada pelo atual governo, do Michel Temer, no entanto, o projeto foi construído justamente quanto o PT comandava o governo.

Agora vamos resumir as informações. Os governos militares usaram a disciplina de Educação Moral e Cívica para obter hegemonia, o PT se opôs ao uso da disciplina para combater a hegemonia dos militares, mas quando conseguiu sua própria hegemonia, fez um projeto para restabelecer a disciplina que ele mesmo combateu. Não existe outro propósito imaginável, que não seja consolidar e fortalecer a hegemonia do PT.

O atual governo, do Michel Temer, não tem uma hegemonia, ao contrário, tem baixa aprovação, mas a disciplina de Educação Moral e Cívica, tende a fazer os alunos a aceitarem o governo, seja ele qual for. Por isso o PT não concorda mais com a reforma que ele mesmo projetou, tudo aquilo que pode ajudar na credibilidade do governo Temer, contraria os interesses do PT.

Mas tem outro pormenor nessa história, os partidos envolvidos como PT no escândalo conhecido como Petrolão, são os mesmos partidos oriundos do bipartidarismo que existiu durante os governos militares, o PP que é a continuidade da antiga ARENA, e o PMDB, continuidade do antigo MDB.

Não obstante, a maioria dos partidos que dão sustentação política ao atual governo, do Michel Temer, são também os partidos que deram sustentação aos governos Lula/Dilma/PT. Com exceção do governo Itamar Franco, que durou apenas dois anos, todos os outros governos, desde a proclamação da república, apelaram descaradamente, de uma forma ou de outra, para a população acreditar no governo.

Isso que foi relatado até agora, tem como objetivo mostrar qual é, de fato, o maior e principal problema do Brasil, substituir conhecimento por crença. Enquanto este problema não for resolvido, nenhuma mudança trará algum resultado efetivo, qualquer mudança resultará em uma forma de manter tudo como antes para os detentores do poder, ou seja, muda-se o cocheiro, muda-se o cavalo e até mesmo a carruagem, mas a estrada continua sendo a mesma.

Mas este ensaio não se refere à substituição do conhecimento por crença nas questões políticas/eleitorais, ao contrário, refere-se ao fato de que acontece nas questões políticas/eleitorais, justamente porque acontece no cotidiano da maioria da população brasileira. A origem desse problema, é que no Brasil, quando falam em educação, utilizam a palavra no sentido de ensinar como as pessoas devem se comportar, com base na obediência, quando a palavra educação deveria ser utilizada no sentido de proporcionar conhecimento, para que as pessoas aprendam a se comportar com base no discernimento do que é certo ou errado, e não com base naquilo que mandaram fazer.

A maior dificuldade para corrigir esse problema perverso, que mantém o Brasil estagnado na condição de país subdesenvolvido e faz da população brasileira um povo que fracassou como nação, não reside nos governos, mas na grande quantidade de instituições que tratam conhecimento e crença como se fossem a mesma coisa, ou como se estivessem em um mesmo nível. Isso acontece dentro de instituições religiosas, políticas, educacionais, meios de comunicação e até mesmo na medicina.

O fenômeno de colocar conhecimento e crença em níveis iguais ou semelhantes, não ocorre apenas no Brasil, não é raro encontrar debates em países desenvolvidos, onde algum debatedor alega que uma determinada questão depende de acreditar ou não, mesmo diante das evidências existentes. A diferença no Brasil, é que esse comportamento ocorre com a maioria da população, praticamente o tempo todo e com a maioria das questões.

Para solucionar esse grave problema, é necessário e indispensável que as pessoas entendam a diferença entre crença e conhecimento, entendam que não existe acreditar ou deixar de acreditar no conhecimento, pois, quando algo se torna conhecimento, a crença ou a descrença não podem mais ser aplicadas.

Para explicar a diferença entre a crença e conhecimento, vou citar Richard Dawkins e os extraterrestres. Considerando o tamanho do universo, a quantidade de galáxias, estrelas e planetas, mesmo que Dawkins nunca tenha afirmado que acredita na existência de vida extraterrestre, caso seja perguntado para ele se acredita ou não, sem permitir uma resposta retórica, não resta dúvida que ele responderia que acredita.

Se a NASA, ou qualquer outra agência espacial, apresentar ao público as evidências de existência de vida extraterrestre, ou mesmo se uma civilização extraterrestre se apresentar publicamente à população da Terra, Dawkins deixará de acreditar na existência de vida extraterrestre imediatamente, por uma razão muito simples, não há motivos para acreditar ou deixar de acreditar naquilo que se tornou conhecido, ninguém mais perguntará para Dawkins se ele acredita ou não na existência de vida extraterrestre, da mesma forma como ninguém perguntaria se ele acredita ou não que a Terra é redonda.

Em resumo, quando algo se torna conhecimento, não é mais aceitável acreditar ou desacreditar. Quando alguém diz que não acredita em algo que é comprovadamente verdadeiro, ou que acredita em algo que é comprovadamente falso, esse indivíduo está sendo desonesto consigo mesmo. Alguém que não consegue ser honesto consigo mesmo, não será capaz de ser honesto com as outras pessoas.

Um país onde a maioria das pessoas não são honestas com elas mesmas, pois substituem o conhecimento pela crença, jamais será desenvolvida e a população desse país sempre fracassará como nação. Uma boa opção para a disciplina de Educação Moral e Cívica, seria a disciplina de Cidadania, onde os alunos aprenderiam como utilizar leis básicas, como se protegerem de falsidade ideológica, estelionato e sobre as responsabilidades dos servidores públicos diante dos cidadãos. Para encerar, repito o título da postagem: Crer ou Não Crer, Eis a Questão.



(Milton Valdameri, outubro de 2016).

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