terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Trump e o Corte de Impostos

 O ano de 2017 está terminando com um surpreendente corte de impostos promovido pelo governo Trump nos EUA. A imprensa militante em favor de Donald Trump se esforça para tornar esse episódio uma marca incontestável de genialidade, mas a maioria esmagadora dos economistas do mundo não se mostra otimista com esse episódio, ao contrário, mostra-se receosa. No meu entendimento, o principal problema até agora não está no corte de impostos propriamente dito, mas no debate que está havendo sobre ele, ou seja, o debate está ocorrendo apenas no âmbito político, com argumentação baseada em idealismo sem apresentar argumentos técnicos. Tentarei trazer ao público um pouco de argumentação técnica.

 Infelizmente a imprensa não está divulgando maiores detalhes sobre essa surpreendente lei, mas até aonde sei trata-se de corte na alíquota do imposto de renda das empresas (de 35% para 21%) e existe unanimidade em uma questão, os principais beneficiados serão as grandes empresas, enquanto que para as pequenas empresas o corte na alíquota não terá efeito relevante. Uma grande empresa americana comemorou a aprovação da lei presentando cada um dos seus duzentos mil funcionários com mil dólares, não sei se outras empresas fizeram algo semelhante, mas a jornalista brasileira e militante em favor do governo Trump, Joice Hasselman, noticiou o presente da referida empresa com grande empolgação (aqui).

A primeira questão a ser observada, é a finalidade do sistema tributário, pois é isso que determina se a carga tributária é elevada ou não. Para entender melhor, considere o serviço prestado em troca da arrecadação de impostos, o melhor exemplo está na carga tributária da Suécia, que nominalmente é superior à carga tributária do Brasil, mas o serviço de saúde público oferecido na Suécia é tão bom quando os melhores serviços de saúde privados no Brasil, o mesmo acontece com o ensino, com o transporte e outras áreas.

Apenas por curiosidade, é interessante mencionar que na Suécia muitos serviços são prestados por empresas privadas, isso significa que o Estado não é inchado por servidores públicos, ele apenas repassa os recursos financeiros e fiscaliza as atividades, mas não elimina a fiscalização feita pelos cidadãos, pois o cidadão pode processar essas empresas da mesma forma como processariam qualquer outra empresa e com resposta satisfatória do poder judiciário, enquanto isso, no Brasil o orçamento do judiciário é astronômico, os processos intermináveis e tentar processar o sistema de saúde ou de ensino é praticamente impossível.

A segunda questão a ser observada é a função que o imposto de renda pode ter dentro de uma economia de livre mercado. Para que uma economia possa ser de fato considerada de livre mercado, é necessário que ela não seja manipulada pelo Estado nem pelo poder econômico, portanto só existe livre mercado quando existem regulamentações que impeçam o poder econômico de manipular o mercado, enquanto que e o imposto de renda representa a forma mais adequada de arrecadar recursos para promover a redistribuição de renda. É importante ressaltar que redistribuição de renda é algo implícito na teoria do livre mercado do Adam Smith e explícito na obra de David Ricardo.

Eu não conheço a lei de imposto de renda dos EUA, não sei se existe ou não uma faixa de isenção, ou seja, se o imposto é cobrado sobre qualquer renda ou apenas após a renda atingir algum patamar. Seja como for, seria muito mais eficiente criar ou ampliar a faixa de isenção do que baixar a alíquota. Senão vejamos, uma pequena empresa com lucro de 100 mil dólares, que pagava 35 mil de imposto de renda (35%) e passará a pagar 21 mil dólares (21%), aumentará sua renda em 14 mil dólares, mas uma empresa com lucro de 100 milhões de dólares aumentará sua renda em 14 milhões, ou seja, poderá comprar várias pequenas empresas e diminuir a concorrência, embora não signifique que isso efetivamente acontecerá, ela poderá aumentar salários ou investir em qualquer outra coisa, inclusive em outros países.

Supondo que não exista uma faixa de isenção, seria mais eficiente criar este instrumento, como por exemplo, só tributar a renda que for superior a cem mil dólares, desta forma as pequenas empresas do exemplo anterior não pagariam imposto de renda e poderiam contratar mais funcionários, inclusive ampliando seus negócios, enquanto que as empresas com lucro de 200 mil dólares pagariam os mesmos 35% de sempre, porém apenas sobre o excedente aos 100 mil da faixa de isenção, ou seja, teriam uma redução de 50% no imposto de renda. A renda da empresa que lucra 100 mil aumentaria em 35 mil da mesma forma como a empresa que lucra 200 mil também aumentaria em 35 mil, porém a diferença de renda entre as duas empresas continuaria sendo de 65 mil, ou seja, ambas aumentaria sua renda igualmente sem que uma se fortalecesse ou enfraquecesse mais que a outra.

Na pior das hipóteses, esse modelo que apresento aumentaria o consumo, pois os pequenos empresários passaria a consumir mais, ou produtos mais caros, mas a redução da alíquota não indica nenhum efeito no aumento do consumo, portanto não haverá motivo para aumentar produção, se não haverá aumento de produção, não haverá aumento na oferta de empregos. Só haverá aumento no consumo se as grandes empresas aumentarem os salários, então a redução da alíquota só se justificaria se fosse acompanhada de uma lei que transferisse a redução do imposto diretamente para os salários dos empregados.

Na prática, o que o governo Trump está fazendo é o mesmo que o Brasil faz há muito tempo, ou seja, incentivo fiscal e renúncia fiscal, a diferença é que aparentemente, nos EUA lei beneficia a economia como um todo e não apenas um ramo específico, mas isso é só aparentemente, o ramo específico que está sendo beneficiado não é um ramo da cadeia de produção, é o grande poder econômico como controlador da economia.

A grande depressão de 1929 colocou as três grandes empresas automobilísticas em situação falimentar, a situação foi resolvida justamente pela greve dos trabalhadores que exigiram melhores salários e garantias de emprego, a Chryasler e a Chevrolet não relutaram em fazer acordo com os sindicatos, mas na Ford acontecia uma grande conflito entre o patriarca Henry Ford, que não aceitava fazer acordo com os sindicados e o seu filho que considerava o acordo a única solução para sair da situação falimentar. O conflito na Ford encerrou quando a esposa de Henry Ford o ameaçou com o pedido de divórcio caso não fizesse o acordo com os trabalhadores. O acordo foi feito e as empresas automobilísticas dos EUA superaram a crise.

A cidade de Detroid, capital do automóvel por quase um século, entrou em colapso depois que as grandes montadoras se transferiram para outros países em busca de mão de obra barata. A economia da cidade de Detroid só começou a se recuperar quando começaram a surgir pequenas empresas como pequenas produtoras de roupas, nenhuma grande empresa investiu em Detroit, portanto não há motivos para dizer que o aumento de renda causado pela diminuição na alíquota do imposto vai resultar em investimentos que gerem empregos ou algum tipo de aumento no consumo, muito menos aumento na produção de riquezas.

Mas é possível dizer com segurança que os EUA terão uma quantidade de recursos menor para enfrentar o deficit público, que já é astronômico e tudo indica que vai aumentar mais depois da nova lei. Seja como for, a nova lei deverá causar uma euforia inicial, mas o resultado só poderá começar a ser avaliado depois de seis meses e só poderá ser avaliado efetivamente depois de um ano.

Milton Valdameri, dezembro de 2017.

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