O
debate político atual está pautado pela dicotomia “capitalismo –
socialismo”, onde capitalismo está automaticamente ligado à
teoria de Adam Smith, enquanto que socialismo está ligado ao
marxismo. Este ensaio tem a pretensão de mostrar que essa dicotomia
é falsa, pois capitalismo, socialismo e marxismo são distintos e o capitalismo
não é defensor do livre mercado de Adam Smith, muito pelo contrário,
o defensor do livre mercado de Adam Smith é o socialismo. O marxismo
é apenas um aglomerado de delírios, que não serão abordados neste
ensaio.
O
primeiro passo para entender o que é capitalismo e socialismo, é
entender o que é teoria econômica e modelo econômico. A teoria
estabelece as diretrizes que serão usadas pelo modelo, uma teoria
pode gerar mais de um modelo e o modelo pode ser alterado no decorrer
da história, sem necessariamente alterar a teoria. A teoria
econômica que surgiu com o homem das cavernas, embora ele não
soubesse da sua existência, é denominada fisiocracia
e tem como base o seguinte: a
riqueza é produzida pela natureza.
A
fisiocracia foi a única teoria econômica até a publicação de A
Riqueza das Nações,
por Adam Smith, em 1776. Ao longo da história os modelos econômicos
foram mudando, mas sempre baseados na prerrogativa de que a riqueza é
produzida pela natureza, o feudalismo e o mercantilismo são os
últimos modelos econômicos baseados na fisiocracia.
Lamentavelmente,
os livros, as escolas e os meios de comunicação ensinam que o
feudalismo acabou com o surgimento do mercantilismo, no entanto, o
feudalismo acabou em sua natureza política, mas não em seu modelo
econômico, que perdurou no leste europeu durante toda a idade
moderna e na Rússia até o início do século XX.
O
modelo econômico do feudalismo produzia aquilo que era necessário
ao feudo. Quando o feudalismo deixou de existir como modelo político,
a relação entre os servos e os donos da terra continuou a mesma, ou
seja, continuou a produzir aquilo que era necessário para a
sobrevivência dos servos e para satisfazer os interesses do
proprietário.
Para
entender o feudalismo, como modelo econômico, é necessário
entender a diferença entre o servo e o escravo. O escravo pertencia
a um indivíduo e podia ser comprado e vendido, o servo pertencia à
terra onde vivia, ou seja, pertencia à propriedade e não ao
proprietário, quem comprasse a propriedade receberia também os
servos que não podiam ser vendidos separadamente.
Mas
os servos também podia abandonar a propriedade quando quisessem, o
problema é que se abandonasse a propriedade, não teria para onde
ir, não poderia ir para uma outra propriedade que considerasse
melhor.
Com
o desenvolvimento dos burgos (cidades), os servos começaram a ter
uma opção de sobrevivência fora da propriedade a qual pertenciam.
A migração de servos para os burgos fez com que os donos das terras
permitissem que os servos comprassem parte da propriedade, para que
conseguissem a independência sem abandonar a produção daquela
propriedade.
Desta
forma, ocorreu um processo de reforma agrária em muitos países, mas
não em todos. A Prússia (atual Alemanha), depois de ter sido
derrotada por Napoleão Bonaparte, realizou uma reforma agrária,
aboliu a escravidão e a servidão em 1807. A Rússia aboliu a
escravidão e a servidão em 1861, mas não realizou uma reforma
agrária e o modelo econômico continuou sendo o do feudalismo.
A
nova teoria, de Adam Smith, diz o seguinte: a riqueza é produzida
pelo trabalho. Embora a publicação de A Riqueza da Nações
tenha vendido todos os exemplares, a nova teoria permaneceu
desconhecida do público por uns dez anos, quando começou a ser
mencionada timidamente no parlamento inglês. De forma lenta, mas
gradual, a quantidade de simpatizantes aumentou, mas só se tornou
efetivamente conhecida do público após a morte de Adam Smith.
É
importante saber que a obra é extensa, aproximadamente oitocentas
páginas, com um texto confuso e cansativo, não é a toa que
demorou tanto tempo para ser defendida por estudiosos e não é
devidamente compreendida até hoje. Este ensaio tem a pretensão de
tornar a teoria de Adam Smith compreensível. A genialidade de Adam
Smith, para entender a economia, o mercado e a sociedade, não se
refletia em sua capacidade de escrever e expressar suas ideias.
Ao
mesmo tempo em que aumentava o número de defensores da teoria de
Adam Smith, surgiram os opositores da teoria, a Espanha proibiu a
tradução de A Riqueza das Nações para o espanhol. Os
defensores da teoria passaram a ser denominados de socialistas,
os opositores foram denominados capitalistas. Mas os
capitalistas nunca apresentaram uma teoria do capitalismo, se
apropriaram da teoria de Adam Smith, deturparam e levaram o debate
para a interpretação da teoria.
Este
ensaio, pretensiosamente, vai apresentar ao mundo, a teoria do
capitalismo pela primeira vez. Para aqueles que já julgaram que eu
estou inventando uma teoria para o capitalismo, alerto para o fato de
que aquilo que está sendo afirmado será fundamentado com a teoria
de Adam Smith. Então, para saber qual é a teoria do capitalismo, é
necessário conhecer a teoria de Adam Smith. Mas antes é necessário
lembrar que uma teoria econômica deve apresentar a origem da riqueza
e a sua destinação:
A
teoria de Adam Smith diz que a riqueza
é produzida pelo trabalho e apresenta a destinação
da riqueza da seguinte forma: 1)
a produção de riqueza deve remunerar o trabalho; 2)
produzir
riqueza além do necessário para remunerar o trabalho é produzir
lucro, que deve ser remunerado; 3) a
produção de riqueza deve remunerar o capital. A diferença
entre a teoria original, que de agora em diante será denominada de
socialismo, e a teoria deturpada pelo capitalismo, está
na ordem da destinação da riqueza, que coloca a remuneração do
capital em primeiro lugar e a remuneração do trabalho em último
lugar.
Adam
Smith não inventou uma teoria econômica, ele constatou o
funcionamento da economia em sua origem, para entender as
prerrogativas de Adam Smith, é necessário colocá-las na origem da
economia, a pré-história, o homem das cavernas, colocá-las na
forma mais reduzida, para depois ampliar, ou como diria Descartes, ir
do simples para o complexo.
Na
economia primitiva, um indivíduo vai até uma árvore frutífera,
colhe os frutos necessários para saciar sua fome e depois vai tirar
uma soneca, até sentir fome novamente. A riqueza não foi produzida
pela natureza, mas pelo trabalho de colher os frutos, uma vez que se
os frutos não puderem ser colhidos, não serão uma riqueza. A
riqueza produzida saciou apenas a fome desse indivíduo, ou seja,
remunerou o trabalho, sem produzir lucro.
Numa
segunda situação, outro indivíduo, uma mulher, foi até a mesma
árvore e colheu os frutos necessários para saciar sua fome e a fome
de seus filhos. A mulher produziu riqueza além da remuneração do
trabalho, que seria saciar a própria fome, produziu o lucro, que foi
socializado com seus filhos.
Observe-se
que, se a mulher não tivesse filhos, o lucro não faria sentido,
seria completamente inútil, pois os frutos colhidos a mais seriam
desperdiçados. Não importa se eles fossem armazenados para comer
quando a fome voltasse, não seria lucro, seria remuneração do
trabalho, ou seja, o trabalho a mais foi remunerado saciando a
própria fome mais uma vez.
Ao
contrário do que dizem os marxistas, o lucro não é uma
prerrogativa do capitalismo, mas a própria essência do socialismo,
sem o lucro não há nada para socializar, ao mesmo tempo em que, se
não há como socializar, não representa lucro, é produção
desnecessária e inútil.
Os
dois exemplos tem como finalidade mostrar que, pela própria natureza
da economia, a remuneração do trabalho vem em primeiro lugar, o
lucro em segundo lugar e a remuneração do capital só será
necessária em circunstâncias mais complexas.
A
remuneração do capital só começa a existir com o conceito de
propriedade. Se uma árvore frutífera pertence ao indivíduo A e o
indivíduo B vai coletar frutos nessa árvore, então ele deve
remunerar o capital, ou seja, os frutos coletados. A remuneração do
trabalho é a quantidade de frutos coletados para a sua necessidade,
a remuneração do capital é feita coletando frutos além do
necessário (produzindo lucro), que serão usados para remunerar o
capital.
Se
o indivíduo A coletar os frutos para o indivíduo B, então o
indivíduo B deve remunerar o trabalho do indivíduo A, com alguma
outra riqueza que trocará pelos frutos. Se o indivíduo A coletar
mais frutos do que o necessário, ele não estará produzindo lucro,
pois o indivíduo B não tem a obrigação de levar aquilo que foi
coletado à mais.
Observe-se
que, a remuneração do capital deve ser feita pela produção da
riqueza, que é o trabalho. Se o indivíduo A é proprietário da
árvore, ele não precisa remunerar o capital para produzir a
riqueza, quando ele coleta os frutos para o indivíduo B, o capinal
não necessita ser remunerado, em um modelo mais primitivo.
Agora
vamos colocar o indivíduo B coletando frutos na árvore do indivíduo
A, sendo os frutos coletados a remuneração utilizada. Considerando
que o indivíduo B necessita de um quilo de frutos para se alimentar
e um quilo para remunerar o capital do indivíduo A, coletando cinco
quilos, o indivíduo B estará produzindo lucro, que deverá ser
remunerado com um percentual daquilo que foi coletado a mais.
Entenda-se que tanto o indivíduo A, como o B, poderá trocar o
excesso (lucro), por outra riqueza, com outros indivíduos.
Conforme
a circunstância se torna mais complexa, também aumenta a
complexidade da relação entre o lucro e a remuneração do capital,
mas é sempre o trabalho que produz a riqueza, é a riqueza produzida
pelo trabalho que remunera o capital, que produz e remunera o lucro.
O objetivo dos exemplos não é explicar a sociedade atual, mas
mostrar que, a remuneração do capital deve ocorrer, segundo a
teoria de Adam Smith, ou socialismo, após a remuneração do
trabalho, que produzirá o lucro necessário para a remuneração do
capital. Resumindo, a remuneração do capital não pode ser colocada
em primeiro lugar.
Então
é possível identificar a diferença entre socialismo e capitalismo
pela ordem dos fatores na destinação da riqueza, mas também é
possível identificar no capitalismo a alteração da origem da
riqueza. Para que a remuneração do capital venha em primeiro lugar,
então é necessário que a teoria diga o seguinte: a
riqueza é produzida pelo capital.
Nenhum
capitalista se atreveu a apresentar formalmente a teoria de que a
riqueza é produzida pelo capital, mas não é raro dizerem
que “dinheiro gera dinheiro”. A outra grande diferença entre o
capitalismo e a teoria de Adam Smith, é justamente a questão do
lucro. Para Adam Smith, o lucro é produzido pelo trabalho, para o
capitalismo, o lucro é produzido pagando o mínimo possível e
vendendo pelo máximo possível.
A
melhor maneira de se referir ao capitalismo, é como parasita da
teoria de Adam Smith, um parasita que conseguiu se fazer confundir
com o parasitado. O capitalismo simplesmente não conseguiria
sobreviver com sua própria teoria, pois não produz riqueza, mas
sobrevive entranhado no mercado, produzindo crises maiores ou menores
em países desenvolvidos, que estão menos contaminados, mas mantendo
subdesenvolvidos países como o Brasil, onde as empresas vão à
falência com dívidas astronômicas, mas os proprietários
permanecem milionários.
Onde
o marxismo entra nessa história? Isso será abordado em outro
ensaio.
(argento) ... adorei seu ensaio, didático e simples, vejo a "Koisa" arrastar-se por estes caminhos ... infelizmente não vai faltar quem o classifique de esquerdopata - com a devida licensa e crédito, "controlvelado" para meus arquivos
ResponderExcluirMeus próximos ensaios serão sobre o marxismo e sobre "esquerda e direita", então também não vai faltar quem me classifique de dreitopata. KKKKKKK
Excluir"A remuneração do capital só começa a existir com o conceito de propriedade."
ResponderExcluirEsse conceito merece ser esmiuçado.
E parabéns pelo blog.
Você tocou em um ferida importante, entre tantas. Aproveito para agradecer pelos parabéns e pela dica para mais um ensaio. Valeu Ricardo.
ExcluirBlog com textos objetivos sobre temas correlatos e de excelente nível. Parabéns.
ResponderExcluirAcessei por curiosidade e gostei.
Muito obrigado Martinho. Infelizmente eu não estou tendo tempo para novas postagens. Como você percebeu, eu procuro aprofundar um pouco os temas, então eu demoro para escrever uma postagem, pois fico questionando aquilo que escrevo. Espero apresentar algo mais essa semana. Mais uma vez, obrigado!
ExcluirMilton. Hoje, fuçando o seu blog, me deparei com este ótimo artigo que vou utilizar em debates com amigos da área da sociologia, muito bem escrito e didático. Um abraço do amigo e admirador "herculanun" rs!
ResponderExcluirValeu herculanun, o blog anda parado, pois estou trabalhando em dois livros.
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