terça-feira, 1 de novembro de 2016

Foro Privilegiado é Câncer Social

Demétrio Magnoli, um dos raros brasileiros que é conhecido pelo público, mesmo que por uma pequena parte, e que pode ser chamado de intelectual, disse certa vez que em longo prazo o Brasil dá certo. Magnoli disse que, depois de esgotadas todas as possibilidades de errar, o Brasil acerta inevitavelmente. O caso do foro privilegiado não parece ser exceção à regra do Magnoli, haja visto que defensores de “mensaleiros” já argumentaram que o foro privilegiado não é privilegiado, pois não permite recurso em instância superior.

Este ensaio não vai perder tempo tentando entender por que existe um foro privilegiado que foi considerado não privilegiado pelos advogados de réus do foro em questão, muito menos tentar entender por que ele continua existindo, se ele pode ser extinto pelos próprios beneficiários desse privilégiado foro que não privilegia. Se alguém não entendeu o que eu escrevi, não fique preocupado, eu também não consegui entender.

Prometo que o restante do texto será mais fácil de compreender, o ensaio vai apresentar alguns raciocínios, com o intuito de mostrar, através da lógica e não dos fundamentos jurídicos existentes, que foro privilegiado é descabido. Mas o ensaio também tem o intuito de mostrar que ao eliminar o foro privilegiado, podemos aproveitar para criar uma norma jurídica mais ampla, mais compreensível, eficiente e acima de tudo, mais justa.

Primeiro: a expressão "foro privilegiado" é em si mesmo, uma negação do estado democrático de direito, ou seja, o estado de direito existe, porque é possível incluir essa arbitrariedade na lei, mas torna automaticamente a lei do país em estado direito NÃO democrático. Portanto não existe estado democrático de direito no Brasil, consequentemente não existe democracia no Brasil, pois não é possível existir democracia quando o estado de direito não é democrático.

Segundo: Todo e qualquer foro jurídico, só pode ser democrático se não representar qualquer forma de privilégio para alguma das partes envolvidas no processo, isso inclui juízes e servidores públicos. Um foro jurídico deve ser constituído por sua competência, ou seja, sua capacidade de analisar com isenção e de forma criteriosa as questões pertinentes ao processo. As decisões de um foro jurídico deveriam estar devidamente fundamentadas nos critérios aos quais o processo está subordinado, sem apresentar na decisão, novos critérios que não puderam sem ser utilizados pelas partes litigantes, sob o risco de tornar a decisão uma fraude.

Terceiro: É de praxe colocar nos contratos, que as partes elegem um determinado foro, em detrimento/renúncia de qualquer outro, por mais privilegiado que seja. Esse costume mostra-se a origem da ambiguidade em relação ao foro que deve receber e/ou julgar essa ou aquela ação. Por uma questão de lógica, na sua forma mais básica, que é mais relevante que qualquer outra, nenhum contrato que elegeu o foro da Comarca de Quixeramobim para redimir dúvidas, poderia apresentar recurso após o julgamento, em nenhuma instância superior que não pertencesse à Comarca de Quixeramobim.
          Entende-se, por lógica básica, que foro e instância possuem naturezas totalmente diferentes, como uma edificação, que pode ter desde um só pavimento ou vários pavimentos, onde a edificação representa o foro, enquanto que os pavimentos representam as instâncias desse foro. Desta forma, entende-se por uma questão lógica, que nenhum processo pode ser julgado por tribunal de instância superior, se o tribunal em questão não for um pavimento da edificação onde o processo foi julgado, ficando esses tribunais restritos a julgarem a decisão judicial emitida pelo juiz da instância inferior, mas não o mérito do julgamento, ou seja, nesses casos, o réu passa a ser o juiz da instância inferior, como acontece quando existe recurso em decisões de Câmaras de Mediação e Arbitragem.
          Evidentemente, existem jurisprudências e doutrina permitindo os recursos jurídicos no Brasil, independentemente dos equívocos de lógica que possam ser encontrados na legislação, mas este ensaio tem como objetivo, justamente mostrar que é necessário corrigir na legislação, tanto equívocos de lógica, como equívocos sobre o significado das palavras utilizadas nas leis, para tornar a lei mais apropriada para o entendimento do cidadão, uma vez que a lei deve ser feita para o bem do cidadão e não para a satisfação dos legisladores, juízes e advogados.

Quarto: Um indivíduo é algo totalmente diferente do cargo ou função que exerce, portanto as questões jurídicas devem ser tratadas com as devidas diferenças. Um juiz, governador, senador ou presidente da república, deve responder juridicamente, por uma multa de trânsito, como qualquer outro cidadão. No entanto, os atos que dizem respeito ao exercício de um cargo ou função, que conceda algum grau de autoridade ao indivíduo, deveria ser julgado sempre na instância imediatamente superior.

Considerando os quatro raciocínios apresentados, é possível perceber que as questões pertinentes aos foros e às instâncias não deveriam ser estabelecidos por força de lei, nem por acordo entre as partes de um contrato, mas por critérios adotados juridicamente na Constituição, baseado sobre tudo na lógica. Desta forma, o foro e a instância deveriam ser definidos pela natureza do litígio e pelas circunstâncias, enquanto que a instância deve ser definida pela natureza jurídica das partes.

Então, um contrato de compra e venda entre dois cidadãos, só poderia ser iniciado em primeira instância, em foro que atendesse critérios como, local de origem do contrato, local de residência do demandante, ou local que possa de alguma forma beneficiar ambas as partes. Suponhamos que um contrato firmado no Acre, por dois indivíduos que mudaram suas residências para Porto Curitiba e Rio de Janeiro, não precisaria tramitar no Acre e poderia inclusive tramitar em São Paulo, a pedido da parte demandada, pois haveria equiparação de acesso ao foro.

Um processo contra uma prefeitura, contra um prefeito ou vereador, deveria ser iniciado em tribunal estadual de segunda instância, desde que o objeto da ação seja pertinente ao cargo de prefeito ou vereador. No caso de governo estadual, governador e deputados estaduais, deveria ser o tribunal federal de segunda instância. No caso do presidente da república, senadores e deputados federais, deveria ser o tribunal federal de terceira instância, STJ.

Observe-se que os atos de um indivíduo com mandato de prefeito, que não dizem respeito ao exercício do cargo, se enquadram no mesmo critério de um cidadão que firmou um contrato de compra e venda, portanto, o critério adotado neste ensaio inclui os funcionários de mais baixo escalão de uma prefeitura e das demais instituições.

O Supremo Tribunal Federal, não deveria funcionar como uma quarta instância, mas ficar restrito às questões constitucionais e casos que envolvessem a terceira instância (STJ). No caso de haver demanda contra juízes do STF. O Congresso Nacional deveria se tornar tribunal jurídico sujeito ao rito jurídico estabelecido em lei para o processo em questão, sendo que o presidente do Congresso poderia requisitar a assessoria de um ou mais juristas, juízes ou desembargadores para assessorá-lo na condução do processo, que seria decido pelos congressistas como se fosse um juri popular. Esta seria a melhor maneira, talvez a única, de estabelecer de forma razoável, uma instância superior ao STF.

Retomando a questão do foro privilegiado, observe-se que este ensaio segue o caminho inverso ao privilégio, muito pelo contrário, o indivíduo que é costumeiramente chamado de cidadão comum, terá o privilégio de se defender em mais instâncias que os demais, diminuindo o privilégio conforme o grau de responsabilidade em que se encontra o cargo ou a função exercida pelo indivíduo.

Atualmente, exige-se de um analfabeto, mais responsabilidade no cumprimento da lei do que de um advogado, que recebe benefício de redução de pena pelo mérito de descumprir a lei com notório saber. No caso de juízes, pune-se com a severidade de uma aposentadoria, ou colocando-os em disponibilidade remunerada.

O autor deste ensaio atreve-se em ser pretensioso o suficiente para afirmar que, até o momento, não encontrou nenhum outro ensaio, artigo ou comentário sobre o polêmico e famigerado foro privilegiado, que apresentasse uma análise e proposta mais coerente e eficiente.


Milton Valdameri (novembro de 2016).

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