quinta-feira, 13 de abril de 2017

Agora Vai!

Esta crônica pretende abordar a dinâmica da política brasileira, com a intenção de mostrar como o país chegou à situação bizarra em que se encontra. Esta crônica foi escrita para ser lida de forma totalmente independente de outros ensaios, mas é possível que alguns leitores façam relação com ensaios anteriores, que abordam a questão filosófica de substituir conhecimento por crença, mas essa relação está subordinada à intenção do leitor, pura e simplesmente, seja para complementar esta crônica ou complementar algum ensaio anterior.

O historiador Marco Antônio Villa costuma dizer que a república foi anunciada, mas jamais proclamada, então vejamos o que significa uma república de acordo com os princípios filosóficos da Grécia Antiga. Existem três formas de governo, a monocracia, onde apenas um indivíduo governa e pode se transformar em ditadura; a aristocracia, onde um grupo de pessoas governa e pode se transformar em oligarquia; a democracia, onde todos governam e pode se transformar em demagogia. A república se propõe a reunir as três formas de governo, com a intenção de fazer com que uma forma evite os vícios das outras formas. O Brasil reuniu os três vícios.

A suposta república brasileira surgiu com uma ditadura militar, que foi sustentada por oligarquias. A ditadura militar foi substituída por um governo de oligarquias sustentadas pela demagogia. Em quase 130 anos dessa suposta república, os regimes foram se alternando entre ditaduras sustentadas por oligarquias e oligarquias sustentadas por demagogia. Cada vez que ocorria uma alternância de regime, criava-se uma nova esperança, porém, os instrumentos de corrupção e de manipulação da população foram sendo ampliados, se renovando e se fortalecendo. Oportuno lembrar que Emílio Odebrecht declarou em juízo, que as práticas que foram escancaradas pela operação Lava Jato (propinas), já existiam na época do seu avô.

Para não tornar a crônica muito extensa, vou começar lembrando o que ocorreu no país, começando por 1970. Durante o governo Médice, o Brasil viveu um período denominado de “milagre brasileiro”, era considerado um país em desenvolvimento e o país do futuro. Havia campanhas que incentivavam a confiança no futuro, eu gostava de cantar Eu Te Amo Meu Brasil, dos Incríveis, e gosto muito dessa música até hoje.

É impossível eu ouvir a música tema da seleção brasileira de futebol, que venceu a Copa do México, Pra Frente Brasil, sem lembrar da primeira copa que assisti e das pipocas voando pela sala, sempre que o Brasil fazia um gol. Mas ninguém jogava pipoca pro alto intencionalmente, o pulo era inevitável e ninguém se preocupava com as pipocas que estavam na mão. No começo da década de 1970, eram poucos os brasileiros que não acreditavam no Brasil, mesmo aqueles que discordavam politicamente do governo, acreditavam firmemente em seu crescimento.

Com a primeira crise internacional do petróleo, o milagre brasileiro definhou. Passada a crise internacional, os denominados países em desenvolvimento, como o Brasil, México e Argentina, herdaram do modelo adotado para enfrentar a crise, um processo inflacionário, que foi agravado com a segunda crise internacional do petróleo. Com crise ou sem crise, com inflação ou sem inflação, o lema nunca deixou de ser “acreditar no Brasil”, mesmo que não significasse acreditar no governo, o lema era usado também pela oposição.

Com o fracasso da política econômica, a população começou a acreditar na abertura política, o principal objeto de devoção dessa crença foi a campanha das “Diretas Já”, cujo fracasso direcionou a devoção para a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. A nova esperança adoeceu um dia antes da posse e morreu quinze dias depois. Por um ano, a população substituiu o “acreditar no Brasil” pelo “vamos deixar como está, para ver o que acontece”.

Um ano após os militares terem saído do comando da nação, a inflação estava fora de controle, em 16/02/1986, com a inflação chegando ao 15% ao mês, o então presidente, José Sarney, anunciou o Plano Cruzado. A população acreditou piamente, com a exceção de poucos hereges, como eu. Após as eleições para governadores, senadores e deputados, a fantasia desmoronou e a inflação reapareceu em 80% ao mês. Mas nem tudo estava perdido, durante o êxtase do Plano Cruzado, a população elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte.

A população começou a acreditar na nova Constituição, com exceção do herege de sempre, eu. O mais impressionante é que essa crença na Constituição perdura até hoje, mesmo com a confissão de um dos constituintes, Nelson Jobim, que também foi ministro da Justiça, presidente do STF e ministro da Defesa, confessando que a Constituição foi redigida, deliberadamente, de forma ambígua. Mas além da crença na Nova Constituição, também surgiram as crenças na eleição direta, estabelecida pela constituição, e no “Caçador de Marajás”.

A primeira eleição direta após o período governado pelos militares, foi decidida em segundo turno, disputado pelo caçador de marajás, Fernando Collor de Melo e o operário que só trabalhou quatro anos e estava aposentado há mais de vinte, Luiz Inácio Lula da Silva. Eu votei em branco, sob a alegação que nenhum dos dois terminaria o mandato, o que me rendeu agradáveis “apedrejamentos” por ambos os lados. O vencedor da eleição, Fernando Collor, foi deposto por processo de impeachment com dois anos de mandato.

Com Itamar Franco assumindo o lugar de Collor, iniciou novo período de “vamos deixar como está”, mas dessa vez não tinha o “para ver o que acontece”, a crença era que não aconteceria nada e tudo se resumia em esperar a próxima eleição. Em um ano de governo Itamar, foram lançados quatro planos econômicos, o Itamar I, II, III e IV, dos quais ninguém lembra e ninguém depositou qualquer confiança na época.

O motivo para a população não depositar confiança nos planos do Itamar é simples, o presidente não tinha apelo populista e os planos não interferiam diretamente na vida da população. Ao contrário de todos os outros que foram piamente apoiados e resultaram em catástrofes, os planos do Itamar diziam respeito às praticas do governo. No segundo ano de governo Itamar, surgiu um quinto plano, o Plano Real, esse sacudiu a população, que voltou a acreditar no Brasil, mais precisamente no “Pai do Plano Real”, Fernando Henrique Cardoso.

Até hoje, a população brasileira ignora que o Plano Real só foi possível devido ao sucesso dos quatro primeiros planos do governo Itamar, que organizou o governo e as contas públicas, proporcionando as condições para a estabilidade monetária. FHC se elegeu presidente, vencendo Lula no primeiro turno. Embora FHC não seja um populista, a população se encarregou de criar um populismo por conta própria, com base no “Pai do Plano Real”.

Durante os dois mandatos de FHC, ocorreram cinco crises internacionais, como a estabilidade monetária no Brasil era algo recente, o Brasil se tornava muito vulnerável às crises e o governo de FHC teve como principal característica a consolidação do Plano Real, de forma muito apropriada e responsável, diga-se de passagem. Quando a última crise internacional, produzida pelo Onze de Setembro, começou a ser superada, com o mercado internacional iniciando um longo período de crescimento, surgiu a crise interna, a possível eleição de Lula.

Durante o último ano do governo FHC, o mercado internacional deixou de investir no Brasil devido à possível eleição de Lula, o que ajudou o Lula a se eleger, iniciando o período “A Esperança Venceu o Medo”. O mercado internacional continuou receoso com o Brasil por mais um ano, voltando a investir lentamente no segundo ano do governo Lula, no terceiro ano os reflexos da bolha de crescimento internacional foram sentidos também no Brasil.

Ao mesmo tempo em que o reflexos do crescimento internacional produziam crescimento no Brasil, surgiu o escândalo do Mensalão. Minha alegação de que, nem Collor nem Lula terminaria seus mandatos estava se confirmando, mas Lula terminou o mandato e ainda se reelegeu. Em depoimentos na Operação Lava Jato, foi revelado que houve um acordo entre partidos, muito bem remunerado, diga-se de passagem, que evitou o impeachment do Lula. Contabilizo isso como um gol que eu fiz, mas o juiz não marcou porque não quis.

Lula foi reeleito com as entranhas do Mensalão à mostra, Dilma foi eleita com a crise já exposta, foi reeleita com a crise escancarada e o Petrolão desfilando pelos noticiários. Uma semana após a reeleição de Dilma, a popularidade da presidente despencou e o segundo mandato começou com a população acreditando no impeachment da reeleita. Consumado o impeachment, a população passou a acreditar no “novo governo”.

O novo governo, constituído pelo vice da rejeitada e pela maioria dos partidos que sustentaram os governos do PT, todos muito bem envolvidos no esgoto que a Operação Lava Jato colocou a céu aberto, está se mantendo em pé por não ter onde cair. Mas a população não está desamparada, ela acredita que a Operação Lava Jato vai acabar com a corrupção.

Então vejamos, com o fim dos governos militares, a população acreditou que a corrupção seria severamente combatida, mas aumentou no governo Sarney. Com a nova constituição e a eleição direta, a população acreditou que a corrupção seria severamente combatida, mas aumentou no governo Collor. Com o impeachment do Collor, a população acreditou que a corrupção seria severamente combatida, mas o escândalo dos “Anões do Orçamento” mostrou que a corrupção tem vida própria, no entanto a população continuou acreditando que a suposta democracia que existe no Brasil combateria a corrupção, pelo menos um pouco.

Com o fim do processo inflacionário, a partir do Plano Real, a corrupção deixou de ser uma preocupação da população, com o crescimento produzido pela bolha na economia internacional, a corrupção passou a ser apenas um processo natural da política brasileira, onde o presidente precisa apenas “não saber” que ela existe. Com o processo do Mensalão, os formadores de opinião disseminaram a crença de que a corrupção no Brasil nunca mais seria a mesma, e acertaram, ela se tornou muito mais poderosa e criou tentáculos internacionais.

Agora vende-se a ideia de que a Lava Jato vai acabar com a corrupção, como se a corrupção crescesse de cima para baixo. Emílio Odebrecht disse em juízo que o esquema de propina existe desde a época do seu avô, mas esqueceu de dizer que ela começa nos municípios, que produzem os vereadores e prefeitos que serão os deputados, senadores e governadores, que por sua vez serão os ministros e o próprio presidente. Alguma coisa está sendo feita, no sentido de combater a corrupção em sua origem?

No meu entendimento, a Lava Jato poderá fazer, no máximo, uma entre safra da corrução, um período onde os galhos da árvore serão podados, inclusive porque a corrupção que obviamente existe no poder judiciário não está sendo investigada em nenhum nível. Mas não se deixe influenciar por este herege, tenha fé. Agora vai!


(Milton Valdameri, abril de 2017).

Um comentário:

  1. Muito bem relatado , texto de notório auto conhecimento de quem vivenciou e estudou etapas da nossa história


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