sábado, 20 de maio de 2017

A Literalidade de Michel Temer

A grande sacada de Michel Temer e seus “brilhantes” assessores, foi argumentar na imprensa que, na conversa com Joesley Batista, não há literalidade de aval para comprar o silêncio de Eduardo Cunha. Por motivos óbvios, a literalidade do restante da conversa não está sendo comentada pelo governo, da mesma forma como, na Operação Carne Fraca, houve uma campanha nos meios de comunicação, onde a compra e venda de certificados foi simplesmente retirada da pauta. Pretendo neste artigo, mostrar que a literalidade do aval existe.

A nota do governo, após conhecer o conteúdo completo da polêmica gravação, diz que houve uma situação de alívio. No dia seguinte, parte significativa do jornalismo e da população, abraçaram a ideia de “aliviar” a situação do Temer. Então vejamos, trata-se de duas situações distintas, uma jurídica, onde o benefício da dúvida age em favor de Michel Temer, e outra política, onde o benefício da dúvida age justamente no sentido contrário. Caso alguém não tenha entendido, o judiciário não deve condenar em caso de dúvida, ao mesmo tempo que ninguém deve exercer cargo público quando há dúvidas sobre sua honestidade.

Mais uma vez, temos uma situação onde jornalismo e opinião pública atuam como agente judiciário e esperam que o judiciário atue como agente político. Vou analisar a transcrição da conversa, que está disponível aqui. A literalidade do Temer consiste no seguinte: Temer disse, “tem que manter isso, viu?”, logo após Joesley ter dito, “eu estou de bem com o Eduardo”, ou seja, Temer disse para manter ISSO, o bom relacionamento com Eduardo Cunha. Mas tem outra parte na fala de Joesley, onde ele diz estar de bem com o Eduardo, é o seguinte: “que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora”.

Portanto, o ISSO, de Michel Temer, é manter aquilo que estava sendo feito, que tinha sido feito até aquele momento. Então vejamos o que Joesley disse ter feito: “Joesley: Eu, dentro do possível, o máximo que deu ali, zerei tudo. O que tinha de alguma pendência daqui para ali. Zerou. Ele foi firme, foi em cima, já estava lá, veio, cobrou, tal. Pronto. Acelerei o passo e tirei da frente. O outro menino, o companheiro dele que está aqui [inaudível]. Geddel sempre estava [inaudível]. Geddel é que sempre andava ali. Mas o Geddel com esse negócio eu perdi o contato porque ele virou investigado, agora eu não posso encontrar ele”. Esta fala será identificada de agora em diante como “Fala-1”.

Temer comentou a Fala-1 da seguinte forma: Temer: É complicado. [inaudível] obstrução de Justiça.(Fala-2). A parte inaudível, certamente será devidamente compreendida pelos peritos, que dispõem de tecnologia adequada para analisar a gravação, mas isso é irrelevante, pois seja qual for o conteúdo inaudível, não resta dúvida de que Temer identificou obstrução de justiça no conteúdo da Fala-1. Joesley continua: “Joesley: Negócio dos vazamentos. O telefone lá do Eduardo com o Geddel volta e meia citavam alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o que. Eu tô lá me defendendo.” (Fala-3); “Joesley: [inaudível]. Como é que eu... Que que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora. Eu tô de bem com o Eduardo...(Fala-4).

É depois disso tudo que Temer diz: “Temer: Tem que manter isso, viu?(Fala-5). Então vamos deixar esclarecido que, dizer algo literalmente, não significa necessariamente dizer com as palavras literais, pode ser dito com uma confirmação. Por exemplo, alguém diz que vai matar o vizinho e você diz “faça isso”, neste caso, você está dizendo literalmente para o cara matar o vizinho, sem pronunciar a palavra matar.

A questão da literalidade na frase do Temer, em Fala-5, não pode ser relacionada apenas com a parte final da Fala-4. Mesmo forçando a barra para relacionar a fala-5 apenas com a parte final da Fala-4, é necessário explicar por que o Joesley TEM que se manter “de bem com o Eduardo”, inclusive enfatizando com um “VIU?”. A Fala-5 não foi apenas um comentário, foi literalmente uma ordem e uma cobrança.

Em Fala-4, Joesley diz que “que eu mais ou menos dei conta de fazer”, que implica a obstrução de justiça identificada por Temer em Fala-2 e “[…] alguma coisa meio tangenciando a nós [...]”, mencionado por Joesley em Fala-3, então vou deixar o leitor decidir, se o ISSO do Temer está, literalmente ligado ao “mais ou menos dei conta de fazer”, ou ao “Eu tô de bem com o Eduardo”.

(Milton Valdameri, maio de 2017).


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