sábado, 25 de junho de 2016

Capitalismo e Socialismo. Você sabe o que são?

O debate político atual está pautado pela dicotomia “capitalismo – socialismo”, onde capitalismo está automaticamente ligado à teoria de Adam Smith, enquanto que socialismo está ligado ao marxismo. Este ensaio tem a pretensão de mostrar que essa dicotomia é falsa, pois capitalismo, socialismo  e  marxismo são distintos e o capitalismo não é defensor do livre mercado de Adam Smith, muito pelo contrário, o defensor do livre mercado de Adam Smith é o socialismo. O marxismo é apenas um aglomerado de delírios, que não serão abordados neste ensaio.


O primeiro passo para entender o que é capitalismo e socialismo, é entender o que é teoria econômica e modelo econômico. A teoria estabelece as diretrizes que serão usadas pelo modelo, uma teoria pode gerar mais de um modelo e o modelo pode ser alterado no decorrer da história, sem necessariamente alterar a teoria. A teoria econômica que surgiu com o homem das cavernas, embora ele não soubesse da sua existência, é denominada fisiocracia e tem como base o seguinte: a riqueza é produzida pela natureza.

A fisiocracia foi a única teoria econômica até a publicação de A Riqueza das Nações, por Adam Smith, em 1776. Ao longo da história os modelos econômicos foram mudando, mas sempre baseados na prerrogativa de que a riqueza é produzida pela natureza, o feudalismo e o mercantilismo são os últimos modelos econômicos baseados na fisiocracia.

Lamentavelmente, os livros, as escolas e os meios de comunicação ensinam que o feudalismo acabou com o surgimento do mercantilismo, no entanto, o feudalismo acabou em sua natureza política, mas não em seu modelo econômico, que perdurou no leste europeu durante toda a idade moderna e na Rússia até o início do século XX.

O modelo econômico do feudalismo produzia aquilo que era necessário ao feudo. Quando o feudalismo deixou de existir como modelo político, a relação entre os servos e os donos da terra continuou a mesma, ou seja, continuou a produzir aquilo que era necessário para a sobrevivência dos servos e para satisfazer os interesses do proprietário.

Para entender o feudalismo, como modelo econômico, é necessário entender a diferença entre o servo e o escravo. O escravo pertencia a um indivíduo e podia ser comprado e vendido, o servo pertencia à terra onde vivia, ou seja, pertencia à propriedade e não ao proprietário, quem comprasse a propriedade receberia também os servos que não podiam ser vendidos separadamente.
Mas os servos também podia abandonar a propriedade quando quisessem, o problema é que se abandonasse a propriedade, não teria para onde ir, não poderia ir para uma outra propriedade que considerasse melhor.

Com o desenvolvimento dos burgos (cidades), os servos começaram a ter uma opção de sobrevivência fora da propriedade a qual pertenciam. A migração de servos para os burgos fez com que os donos das terras permitissem que os servos comprassem parte da propriedade, para que conseguissem a independência sem abandonar a produção daquela propriedade.

Desta forma, ocorreu um processo de reforma agrária em muitos países, mas não em todos. A Prússia (atual Alemanha), depois de ter sido derrotada por Napoleão Bonaparte, realizou uma reforma agrária, aboliu a escravidão e a servidão em 1807. A Rússia aboliu a escravidão e a servidão em 1861, mas não realizou uma reforma agrária e o modelo econômico continuou sendo o do feudalismo.

A nova teoria, de Adam Smith, diz o seguinte: a riqueza é produzida pelo trabalho. Embora a publicação de A Riqueza da Nações tenha vendido todos os exemplares, a nova teoria permaneceu desconhecida do público por uns dez anos, quando começou a ser mencionada timidamente no parlamento inglês. De forma lenta, mas gradual, a quantidade de simpatizantes aumentou, mas só se tornou efetivamente conhecida do público após a morte de Adam Smith.

É importante saber que a obra é extensa, aproximadamente oitocentas páginas, com um texto confuso e cansativo, não é a toa que demorou tanto tempo para ser defendida por estudiosos e não é devidamente compreendida até hoje. Este ensaio tem a pretensão de tornar a teoria de Adam Smith compreensível. A genialidade de Adam Smith, para entender a economia, o mercado e a sociedade, não se refletia em sua capacidade de escrever e expressar suas ideias.

Ao mesmo tempo em que aumentava o número de defensores da teoria de Adam Smith, surgiram os opositores da teoria, a Espanha proibiu a tradução de A Riqueza das Nações para o espanhol. Os defensores da teoria passaram a ser denominados de socialistas, os opositores foram denominados capitalistas. Mas os capitalistas nunca apresentaram uma teoria do capitalismo, se apropriaram da teoria de Adam Smith, deturparam e levaram o debate para a interpretação da teoria.

Este ensaio, pretensiosamente, vai apresentar ao mundo, a teoria do capitalismo pela primeira vez. Para aqueles que já julgaram que eu estou inventando uma teoria para o capitalismo, alerto para o fato de que aquilo que está sendo afirmado será fundamentado com a teoria de Adam Smith. Então, para saber qual é a teoria do capitalismo, é necessário conhecer a teoria de Adam Smith. Mas antes é necessário lembrar que uma teoria econômica deve apresentar a origem da riqueza e a sua destinação:

A teoria de Adam Smith diz que a riqueza é produzida pelo trabalho e apresenta a destinação da riqueza da seguinte forma: 1) a produção de riqueza deve remunerar o trabalho; 2) produzir riqueza além do necessário para remunerar o trabalho é produzir lucro, que deve ser remunerado; 3) a produção de riqueza deve remunerar o capital. A diferença entre a teoria original, que de agora em diante será denominada de socialismo, e a teoria deturpada pelo capitalismo, está na ordem da destinação da riqueza, que coloca a remuneração do capital em primeiro lugar e a remuneração do trabalho em último lugar.

Adam Smith não inventou uma teoria econômica, ele constatou o funcionamento da economia em sua origem, para entender as prerrogativas de Adam Smith, é necessário colocá-las na origem da economia, a pré-história, o homem das cavernas, colocá-las na forma mais reduzida, para depois ampliar, ou como diria Descartes, ir do simples para o complexo.

Na economia primitiva, um indivíduo vai até uma árvore frutífera, colhe os frutos necessários para saciar sua fome e depois vai tirar uma soneca, até sentir fome novamente. A riqueza não foi produzida pela natureza, mas pelo trabalho de colher os frutos, uma vez que se os frutos não puderem ser colhidos, não serão uma riqueza. A riqueza produzida saciou apenas a fome desse indivíduo, ou seja, remunerou o trabalho, sem produzir lucro.

Numa segunda situação, outro indivíduo, uma mulher, foi até a mesma árvore e colheu os frutos necessários para saciar sua fome e a fome de seus filhos. A mulher produziu riqueza além da remuneração do trabalho, que seria saciar a própria fome, produziu o lucro, que foi socializado com seus filhos.

Observe-se que, se a mulher não tivesse filhos, o lucro não faria sentido, seria completamente inútil, pois os frutos colhidos a mais seriam desperdiçados. Não importa se eles fossem armazenados para comer quando a fome voltasse, não seria lucro, seria remuneração do trabalho, ou seja, o trabalho a mais foi remunerado saciando a própria fome mais uma vez.

Ao contrário do que dizem os marxistas, o lucro não é uma prerrogativa do capitalismo, mas a própria essência do socialismo, sem o lucro não há nada para socializar, ao mesmo tempo em que, se não há como socializar, não representa lucro, é produção desnecessária e inútil.
Os dois exemplos tem como finalidade mostrar que, pela própria natureza da economia, a remuneração do trabalho vem em primeiro lugar, o lucro em segundo lugar e a remuneração do capital só será necessária em circunstâncias mais complexas.

A remuneração do capital só começa a existir com o conceito de propriedade. Se uma árvore frutífera pertence ao indivíduo A e o indivíduo B vai coletar frutos nessa árvore, então ele deve remunerar o capital, ou seja, os frutos coletados. A remuneração do trabalho é a quantidade de frutos coletados para a sua necessidade, a remuneração do capital é feita coletando frutos além do necessário (produzindo lucro), que serão usados para remunerar o capital.

Se o indivíduo A coletar os frutos para o indivíduo B, então o indivíduo B deve remunerar o trabalho do indivíduo A, com alguma outra riqueza que trocará pelos frutos. Se o indivíduo A coletar mais frutos do que o necessário, ele não estará produzindo lucro, pois o indivíduo B não tem a obrigação de levar aquilo que foi coletado à mais.

Observe-se que, a remuneração do capital deve ser feita pela produção da riqueza, que é o trabalho. Se o indivíduo A é proprietário da árvore, ele não precisa remunerar o capital para produzir a riqueza, quando ele coleta os frutos para o indivíduo B, o capinal não necessita ser remunerado, em um modelo mais primitivo.

Agora vamos colocar o indivíduo B coletando frutos na árvore do indivíduo A, sendo os frutos coletados a remuneração utilizada. Considerando que o indivíduo B necessita de um quilo de frutos para se alimentar e um quilo para remunerar o capital do indivíduo A, coletando cinco quilos, o indivíduo B estará produzindo lucro, que deverá ser remunerado com um percentual daquilo que foi coletado a mais. Entenda-se que tanto o indivíduo A, como o B, poderá trocar o excesso (lucro), por outra riqueza, com outros indivíduos.

Conforme a circunstância se torna mais complexa, também aumenta a complexidade da relação entre o lucro e a remuneração do capital, mas é sempre o trabalho que produz a riqueza, é a riqueza produzida pelo trabalho que remunera o capital, que produz e remunera o lucro. O objetivo dos exemplos não é explicar a sociedade atual, mas mostrar que, a remuneração do capital deve ocorrer, segundo a teoria de Adam Smith, ou socialismo, após a remuneração do trabalho, que produzirá o lucro necessário para a remuneração do capital. Resumindo, a remuneração do capital não pode ser colocada em primeiro lugar.

Então é possível identificar a diferença entre socialismo e capitalismo pela ordem dos fatores na destinação da riqueza, mas também é possível identificar no capitalismo a alteração da origem da riqueza. Para que a remuneração do capital venha em primeiro lugar, então é necessário que a teoria diga o seguinte: a riqueza é produzida pelo capital.

Nenhum capitalista se atreveu a apresentar formalmente a teoria de que a riqueza é produzida pelo capital, mas não é raro dizerem que “dinheiro gera dinheiro”. A outra grande diferença entre o capitalismo e a teoria de Adam Smith, é justamente a questão do lucro. Para Adam Smith, o lucro é produzido pelo trabalho, para o capitalismo, o lucro é produzido pagando o mínimo possível e vendendo pelo máximo possível.

A melhor maneira de se referir ao capitalismo, é como parasita da teoria de Adam Smith, um parasita que conseguiu se fazer confundir com o parasitado. O capitalismo simplesmente não conseguiria sobreviver com sua própria teoria, pois não produz riqueza, mas sobrevive entranhado no mercado, produzindo crises maiores ou menores em países desenvolvidos, que estão menos contaminados, mas mantendo subdesenvolvidos países como o Brasil, onde as empresas vão à falência com dívidas astronômicas, mas os proprietários permanecem milionários.

Onde o marxismo entra nessa história? Isso será abordado em outro ensaio.

Milton Valdameri, junho de 2016. 

O marxismo é abordado aqui.

8 comentários:

  1. (argento) ... adorei seu ensaio, didático e simples, vejo a "Koisa" arrastar-se por estes caminhos ... infelizmente não vai faltar quem o classifique de esquerdopata - com a devida licensa e crédito, "controlvelado" para meus arquivos

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    1. Meus próximos ensaios serão sobre o marxismo e sobre "esquerda e direita", então também não vai faltar quem me classifique de dreitopata. KKKKKKK

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  2. "A remuneração do capital só começa a existir com o conceito de propriedade."

    Esse conceito merece ser esmiuçado.

    E parabéns pelo blog.

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    1. Você tocou em um ferida importante, entre tantas. Aproveito para agradecer pelos parabéns e pela dica para mais um ensaio. Valeu Ricardo.

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  3. Blog com textos objetivos sobre temas correlatos e de excelente nível. Parabéns.
    Acessei por curiosidade e gostei.

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    1. Muito obrigado Martinho. Infelizmente eu não estou tendo tempo para novas postagens. Como você percebeu, eu procuro aprofundar um pouco os temas, então eu demoro para escrever uma postagem, pois fico questionando aquilo que escrevo. Espero apresentar algo mais essa semana. Mais uma vez, obrigado!

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  4. Milton. Hoje, fuçando o seu blog, me deparei com este ótimo artigo que vou utilizar em debates com amigos da área da sociologia, muito bem escrito e didático. Um abraço do amigo e admirador "herculanun" rs!

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  5. Valeu herculanun, o blog anda parado, pois estou trabalhando em dois livros.

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