Aparentemente,
o Brasil passa por uma grande mudança, mas este ensaio não pretende
abordar as questões políticas do Brasil, pretende abordar a questão
do crer ou não crer. No entanto, algumas questões políticas do
Brasil serão oportunamente abordadas. O texto começou com a palavra
“aparentemente”, por uma razão muito simples, não lembro de
nenhum momento em minha vida, em que o Brasil não estivesse passando
por uma grande mudança, ou pelo menos, passando por uma transição
para uma grande mudança, que sempre resulta em mais do mesmo.
Então
vamos observar a lista de mudanças, a partir do momento em que eu
comecei a acompanhá-las, lá pelos meus sete anos de idade: 1) o
milagre brasileiro no governo Médice; 2) a abertura política no
governo Geisel; 3) reforma partidária no governo Figueiredo; 4) fim
dos governos militares com a eleição de Tancredo; 5) transição
para a democracia no governo Sarney; 6) Constituição de 1988; 7)
eleição direta do Collor; 8) impeachment do Collor; 9) Plano Real
no governo Itamar; 10) estabilização da economia no governo FHC;
11) PT na presidência da república; 12) impeachment da Dilma e
retirada do PT do governo federal; 13) o atual governo Michel Temer.
As
mudanças elencadas estão sempre relacionadas com conjunturas
políticas e sociais, como inflação, campanha das diretas já,
caras pintadas e operação Lava Jato. Mas este ensaio não tem o
objetivo de abordar as questões políticas e conjunturais do Brasil,
apenas está utilizando-as oportunamente, ou seja, matar dois coelhos
uma só caixa d'água. Ou seria cajadada? Bem, no caso dos coelhos,
cada um escolhe se quer matá-los com uma paulada ou afogando-os.
Para
aqueles que já estão perguntando, o que “crer ou não crer” tem
a ver com isso, vou lembrar uma mudança em especial. Os governos
militares implantaram no sistema de ensino, a disciplina de Educação
Moral e Cívica, que tinha como objetivo induzir os alunos a
acreditarem no governo. A disciplina de Educação Moral e Cívica
esta incluída no projeto de reforma do ensino, apresentada pelo
atual governo, do Michel Temer, com o mesmo objetivo que tinha nos
governos militares, proporcionar credibilidade ao governo.
Mas
existe nessa mudança, um detalhe muito importante, que aparentemente
é de pouca relevância. A disciplina de Educação Moral e Cívica
sempre foi combatida pela oposição aos governos militares e o PT
foi quem fez a oposição mais severa contra a existência dessa
disciplina nas escolas. Agora estamos vendo o PT fazendo severa
oposição à reforma apresentada pelo atual governo, do Michel
Temer, no entanto, o projeto foi construído justamente quanto o PT
comandava o governo.
Agora
vamos resumir as informações. Os governos militares usaram a
disciplina de Educação Moral e Cívica para obter hegemonia, o PT
se opôs ao uso da disciplina para combater a hegemonia dos
militares, mas quando conseguiu sua própria hegemonia, fez um
projeto para restabelecer a disciplina que ele mesmo combateu. Não
existe outro propósito imaginável, que não seja consolidar e
fortalecer a hegemonia do PT.
O
atual governo, do Michel Temer, não tem uma hegemonia, ao contrário,
tem baixa aprovação, mas a disciplina de Educação Moral e Cívica,
tende a fazer os alunos a aceitarem o governo, seja ele qual for. Por
isso o PT não concorda mais com a reforma que ele mesmo projetou,
tudo aquilo que pode ajudar na credibilidade do governo Temer,
contraria os interesses do PT.
Mas
tem outro pormenor nessa história, os partidos envolvidos como PT no
escândalo conhecido como Petrolão, são os mesmos partidos oriundos
do bipartidarismo que existiu durante os governos militares, o PP que
é a continuidade da antiga ARENA, e o PMDB, continuidade do antigo
MDB.
Não
obstante, a maioria dos partidos que dão sustentação política ao
atual governo, do Michel Temer, são também os partidos que deram
sustentação aos governos Lula/Dilma/PT. Com exceção do governo
Itamar Franco, que durou apenas dois anos, todos os outros governos,
desde a proclamação da república, apelaram descaradamente, de uma
forma ou de outra, para a população acreditar no governo.
Isso
que foi relatado até agora, tem como objetivo mostrar qual é, de
fato, o maior e principal problema do Brasil, substituir
conhecimento por crença. Enquanto este problema não for
resolvido, nenhuma mudança trará algum resultado efetivo, qualquer
mudança resultará em uma forma de manter tudo como antes para os
detentores do poder, ou seja, muda-se o cocheiro, muda-se o cavalo e
até mesmo a carruagem, mas a estrada continua sendo a mesma.
Mas
este ensaio não se refere à substituição do conhecimento por
crença nas questões políticas/eleitorais, ao contrário, refere-se
ao fato de que acontece nas questões políticas/eleitorais,
justamente porque acontece no cotidiano da maioria da população
brasileira. A origem desse problema, é que no Brasil, quando falam
em educação, utilizam a palavra no sentido de ensinar como as
pessoas devem se comportar, com base na obediência,
quando a palavra educação deveria ser utilizada no sentido de
proporcionar conhecimento,
para que as pessoas aprendam a se comportar com base no discernimento
do que é certo ou errado, e não com base naquilo que mandaram
fazer.
A
maior dificuldade para corrigir esse problema perverso, que mantém o
Brasil estagnado na condição de país subdesenvolvido e faz da
população brasileira um povo que fracassou como nação, não
reside nos governos, mas na grande quantidade de instituições que
tratam conhecimento e crença como se fossem a mesma coisa, ou como
se estivessem em um mesmo nível. Isso acontece dentro de
instituições religiosas, políticas, educacionais, meios de
comunicação e até mesmo na medicina.
O
fenômeno de colocar conhecimento e crença em níveis iguais ou
semelhantes, não ocorre apenas no Brasil, não é raro encontrar
debates em países desenvolvidos, onde algum debatedor alega que uma
determinada questão depende de acreditar ou não, mesmo diante das
evidências existentes. A diferença no Brasil, é que esse
comportamento ocorre com a maioria da população, praticamente o
tempo todo e com a maioria das questões.
Para
solucionar esse grave problema, é necessário e indispensável que
as pessoas entendam a diferença entre crença e conhecimento,
entendam que não existe acreditar ou deixar de acreditar no
conhecimento, pois, quando algo se torna conhecimento, a crença ou a
descrença não podem mais ser aplicadas.
Para
explicar a diferença entre a crença e conhecimento, vou citar
Richard Dawkins e os extraterrestres. Considerando o tamanho do
universo, a quantidade de galáxias, estrelas e planetas, mesmo que
Dawkins nunca tenha afirmado que acredita na existência de vida
extraterrestre, caso seja perguntado para ele se acredita ou não,
sem permitir uma resposta retórica, não resta dúvida que ele
responderia que acredita.
Se
a NASA, ou qualquer outra agência espacial, apresentar ao público
as evidências de existência de vida extraterrestre, ou mesmo se uma
civilização extraterrestre se apresentar publicamente à população
da Terra, Dawkins deixará de acreditar na existência de vida
extraterrestre imediatamente, por uma razão muito simples, não há
motivos para acreditar ou deixar de acreditar naquilo que se tornou
conhecido, ninguém mais perguntará para Dawkins se ele acredita ou
não na existência de vida extraterrestre, da mesma forma como
ninguém perguntaria se ele acredita ou não que a Terra é redonda.
Em
resumo, quando algo se torna conhecimento, não é mais aceitável
acreditar ou desacreditar. Quando alguém diz que não acredita em
algo que é comprovadamente verdadeiro, ou que acredita em algo que é
comprovadamente falso, esse indivíduo está sendo desonesto consigo
mesmo. Alguém que não consegue ser honesto consigo mesmo, não será
capaz de ser honesto com as outras pessoas.
Um
país onde a maioria das pessoas não são honestas com elas mesmas,
pois substituem o conhecimento pela crença, jamais será
desenvolvida e a população desse país sempre fracassará como
nação. Uma boa opção para a disciplina de Educação Moral e
Cívica, seria a disciplina de Cidadania, onde os alunos aprenderiam
como utilizar leis básicas, como se protegerem de falsidade
ideológica, estelionato e sobre as responsabilidades dos servidores
públicos diante dos cidadãos. Para encerar, repito o título da
postagem: Crer ou Não Crer, Eis a
Questão.
(Milton Valdameri, outubro de
2016).
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