sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Richard Dawkins, Um Delírio

Richard Dawkins é um dos intelectuais da atualidade que eu mais admiro, aqueles que esperam alguma forma de ataque ou depreciação ao ilustre cientista, podem desistir agora ou seguirem em frente por suas próprias contas e riscos. Não li nenhum de seus livros, conheço o pensamento de Dawkins através de vídeos de entrevistas e debates. Este ensaio vai abordar apenas uma questão originada pelo título do livro mais famoso de Dawkins, “Deus, Um Delírio”.
Richard Dawkins se declara um ateu espiritualista, sua obra “O Conto do Ancestral”, expressa a espiritualidade existente na evolução e inspirou um álbum da banda irlandesa Nightwish, que convidou o cientista para participar na gravação do álbum (aqui). Dawkins nunca deixou de se declarar espiritualista, mas certa vez, Dawkins se apresentou como agnóstico, não-crente ou não-teísta.

Em debate com o arcebispo de Sidney, Austrália, Cardeal George Pell, Dawkins foi questionado sobre a mudança de posicionamento, de ateu para agnóstico, sendo respondida a questão da seguinte forma: “[...] esta é uma questão em andamento, qual é a melhor maneira. Existe um problema com a palavra ateu, especialmente nos EUA, eu não sei se isso acontece na Austrália também. […]. Agora o ponto, é que a palavra ateu é diferente de simplesmente não acreditar em deus, tem mais conotações, então, uma extensão de pessoas desejaram partir disso e mudar o nome para não-teísta, secularista ou não-crente. Eu hesito e volto atrás sobre qual é o melhor nome a usar”.

Estabelecida uma referência mínima, do pensamento de Dawkins, é possível estabelecer a relação entre o título do livro, “Deus, Um Delírio”, e o título deste ensaio, “Richard Dawkins, Um Delírio”. Considerando que Dawkins tratou a posição de acreditar em deus como um delírio, e o título deste ensaio considerou que acreditar em Dawkins também é um delírio, torna-se necessário identificar as possíveis diferenças e analisá-las.

A principal diferença: é possível provar que Dawkins existe, mas não é possível provar que Deus existe. Em princípio, não há motivos para considerar que, acreditar em alguém que comprovadamente existe seja um delírio, mas Dawkins nunca considerou que, acreditar na existência de vida fora da Terra, seja um delírio, no entanto nunca foi provado que existe vida fora da Terra. Então a questão do delírio não reside no fato de estar ou não comprovada a existência de algo ou de alguém.

No debate com o Cardeal, Dawkins explicou porque é severamente contrário ao “darwinismo social”, sendo que ele é um dos mais eminentes defensores da teoria de Darwin. Agora temos como referência, alguém que comprovadamente existiu, Darwin, e uma teoria sustentada por milhões de evidências, “a origem das espécies”, sendo considerados inapropriados como referência para o convívio social, pelo próprio Dawkins, que é um dos mais destacados discípulos de Darwin e um dos maiores propagadores do darwinismo. Isso sim poderia ser considerado um delírio, mas não é.

Quando Dawkins deu ao seu livro o título “Deus, Um Delírio”, ele cometeu um erro, que embora não desqualifique a obra, compromete o entendimento e restringe a verdadeira amplitude das argumentações, em verdade, o título do livro gera uma contra argumentação que utiliza Darwin como exemplo. O título do livro deveria fazer referência às crenças em torno de deus, como por exemplo, “Delírios em torno de deus”, incluindo no conteúdo as crenças delirantes que surgiram em torno de Darwin, mostrando assim os perigo que pode haver em torno de qualquer crença.

Mas sem dúvida, por mais equivocado que possa ser, o título do livro causou o impacto necessário para iniciar um debate que existia apenas de forma velada para a maioria da população. A questão mais importante é saber se o debate ficará restrito à existência ou não existência de deus, ou será ampliado para abordar os delírios existentes em torno de outras crenças, como o darwinismo, o marxismo e o próprio ateísmo, que começou a criar para a palavra ateu, conotações mais amplas do que simplesmente não acreditar na existência de deus.

Em resumo, o delírio não está em acreditar na existência de um deus, vários deuses, fadas ou duendes, mas em criar em torno disso, uma crença que se propõe a pautar a própria vida e a vida dos outros. Não há problema em acreditar que o Sol em seu signo astrológico causa esse ou aquele efeito, o problema está em sentir necessidade de agir, em cada período da astrologia, da forma como a astrologia diz que os efeitos acontecerão. O mesmo ocorre com o darwinismo, não é necessário matar os doentes por causa da seleção natural, ou adotar algum tipo de comportamento para mostrar aos outros que é ateu.

Minha sugestão para a ampliação do debate, corrigindo os erros iniciais, é o próprio Richard Dawkins publicar um livro abordando as crenças criadas em torno de outros temas e causar um novo impacto necessário, desta vez com o título “Ateísmo, Um Delírio”.

PS. O debate de Dawkins com o Cardeal está aqui.


(Milton Valdameri, outubro de 2016).

Nenhum comentário:

Postar um comentário