Está sendo aprovada no
Congresso Brasileiro, uma Proposta de Emenda Constitucional que
desencadeou manifestações e muita polêmica nos meios de
comunicação, principalmente nas redes sociais, é a famosa PEC 241,
que supostamente limita os gastos do governo. A polêmica gira em
torno da alegação de que a PEC 241 vai cortar gastos da Saúde e da
Educação. Este ensaio não pretende emitir conclusões ou opiniões,
pretende apenas apresentar referências aos leitores, para que eles
possam construir seus próprios argumentos. Mas antes, é importante
assistir ao vídeo, onde Ricardo Amorim explica a necessidade e o
funcionamento da PEC 241.
Ricardo Amorim é um economista
com renome internacional, pelo qual tenho grande respeito, considero
um dos economistas que melhor apresenta as questões econômicas ao
público. Mas isso não significa que ele esteja sempre certo, muito
menos que eu sempre concorde com ele, porém ele se pronuncia de uma
forma que o público consiga entender aquilo que está sendo dito.
Ricardo
Amorim enfatizou algo que nenhum outro comentarista mencionou, ou
pelo menos, não mencionaram de forma clara como ele o fez, “os
gastos crescerão, porém limitados pelo crescimento da inflação”.
Foi essa afirmação, parafraseada, que invitou o Limbo Filosófico a
se manifestar sobre a questão da PEC 241. Outra afirmação
importante é a seguinte: “Se
o governo quiser aumentar os gastos com educação e saúde, acima da
inflação, pode, só que precisa cortar outros gastos”.
A questão de estipular um prazo de vinte anos para a PEC, também
parece ser um tema interessante, mas em verdade, é patético, pois o
próprio presidente Michel Temer pode fazer outra PEC no ano que vem,
revogando a PEC 241.
Antes de criticar (analisar com
critério) a explicação de Ricardo Amorim, vou criticar a própria
existência da PEC. Não existe nenhuma lei que proíba as pessoas de
comer merda. Peço desculpas pela indelicadeza, mas essa parece ser a
palavra mais apropriada neste momento. Também não existe nenhuma
lei que proíba os governos de adequarem os gastos à capacidade
financeira do Estado. Não faço a menor ideia do que o Temer costuma
comer no café da manhã, mas se ele precisa de uma lei que o obrigue
a adequar os gastos do governo, não me arisco a participar de nenhum
de seus banquetes.
Em princípio, meio e fim, a PEC
241 é pura e simplesmente uma forma de justificar falta de
investimentos, por força de lei, isentando o presidente de qualquer
responsabilidade ou intenção, ele estará simplesmente cumprindo a
lei. Ricardo Amorim disse que a PEC é necessária para que os
investidores não parem de financiar o Brasil, mas a PEC não faz
nenhuma diferença para os investidores, o que faz diferença para os
investidores é que os empréstimos sejam pagos. Se o Brasil vai
gastar o dinheiro que pega emprestado com prostitutas ou com a escola
dos filhos, isso não faz a menor diferença para os investidores,
eles querem saber como o Brasil vai pagar os empréstimos.
Para entender o verdadeiro
funcionamento da PEC 241, é necessário tomar como referência uma
conjuntura de inflação ZERO. Se os gastos vão crescer dentro dos
limites da inflação, então com inflação zero, não haverá
crescimento. Ou estou errado? Nessa conjuntura hipotética, para
aumentar os gastos com saúde, ou educação, será necessário
reduzir gastos de alguma(s) outra(s) área(s), conforme foi explicado
pelo Ricardo Amorim. É aqui que a porca torce o rabo. A PEC não
determina corte de gastos em nenhuma área, tampouco prevê alguma
relação entre as áreas de investimento, ou seja, não prevê em
qual área haverá diminuição de investimento, para aumentar o
investimento na educação ou na saúde.
Muito bem, agora é possível
dizer qual será o papel da inflação nessa história. A inflação
será o instrumento usado pelo governo para aumentar investimentos,
mas a PEC não determina que saúde, educação, ou qualquer outra
área, tenha seus investimentos aumentados conforme aumenta a
inflação, apenas proíbe, que o total de investimentos do governo,
supere a inflação.
Desta forma, se a inflação for
de dez por cento e o governo aumentar os investimentos da educação
em cinco por cento, ele vai aparecer na foto como se estivesse
aumentando os investimentos na educação. Se não aumentar nada, o
governo aparecerá na foto como um governo que NÃO DIMINUIU os
gastos com educação.
Em resumo, a PEC 241 estabelece
a inflação como instrumento de financiamento do governo, sem
aumentar impostos, e os investidores sabem muito bem como os
empréstimos serão pagos. Essa fórmula foi adotada no regime
militar, pelo gênio da economia, excelentíssimo Sr. Delfim Neto. O
aumento constante da inflação não impediu o aumento de impostos e
o aumento de impostos não impediu o aumento constante da inflação.
O resultado foi, a inflação elevadíssima e totalmente fora de
controle. Por estranha coincidência, o Brasil levou VINTE ANOS, para
conseguir controlar a inflação.
Enfatize-se que o limite no
aumento de gastos não está vinculado à arrecadação, mas à
inflação. Desta forma, se a arrecadação cair dez por cento, mas a
inflação for dez por cento, os gastos poderão ser aumentados da
mesma forma, aumentando também o déficit, mas se a arrecadação
aumentar vinte por cento e a inflação aumentar dez por cento, a PEC
não diz o que deve ser feito com essa diferença. Portanto, a PEC
não tem o mérito de conseguir diminuir o déficit, como afirmou o
Ricardo Amorim, nem em um ano, nem nos vinte anos previstos, que
supostamente, vão diluir o déficit.
O único instrumento de aumento
de gastos, é a inflação, independentemente da arrecadação, o que
leva a suspeitar que a inflação será usada nos dois sentidos, para
aumentar tanto os gastos como a arrecadação. Na prática, a
inflação é a forma mais perversa de arrecadação, pois atinge
diretamente o bolso do consumidor, que não paga um percentual maior
de impostos, mas paga um valor nominal de imposto maior, sempre que
os preços aumentam.
O presidente Michel Temer se
pronunciou publicamente, dizendo que quem não concorda com a PEC,
não leu a PEC. Então vamos ler um pouquinho, mais precisamente o
Artigo 1º, §
6º,
onde discrimina as exceções, ou seja, áreas onde o limite não
será aplicado, e obviamente, não contempla educação e saúde. É
importante analisar o que aconteceria com uma conjuntura de inflação
zero.
a)
Transferências constitucionais estabelecidas pelo artigo 20, §
1º.
“É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da
administração direta da União, participação no resultado da
exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para
fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais
no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou
zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa
exploração”.
Comentário:
Se houver um grande aumento na arrecadação, originado por essas
áreas da economia, a PEC não permitirá que os investimentos em
saúde e educação aumentem, pois analisamos em conjuntura de
inflação zero. Dobrar a extração de ouro não aumentará um
centavo no investimento em educação ou saúde, a PEC não permite.
A não ser que diminuam investimento em outra área, como explicou
Ricardo Amorim.
b)
Do artigo 157 ao artigo 159. Trata-se do fundo de participação dos
Estados e Municípios, não é necessário apresentar o texto
completo. Do § 6º
do artigo 212, que não existe, mas suponho que seja o 5º,
que trata da destinação do salário educação, pago pelas
empresas, para o ensino fundamental.
Comentário:
Tanto neste item, como no item anterior, o repasse de recursos aos
estados e municípios aumentarão de acordo com a arrecadação e não
com a inflação. Portanto, na conjuntura de inflação zero, o
aumento em educação poderá ocorrer através dos estados e
municípios. Mas no caso da destinação do salário educação, ele
poderá ser contabilizado como parte do investimento em educação,
feito pelo governo federal, servindo de pretexto para diminuir o
investimento do governo federal em educação. Não estou afirmando
que isso vai ocorrer, mas malabarismo contábil é recorrente nos
governos brasileiros.
c)
Das despesas do artigo 21, caput, inciso XIV, que atribui a união a
competência para manter a polícia federal, polícia militar e
polícia civil.
Comentário: os recursos
com segurança não estão limitados pela PEC, mas isso não elimina
a questão explicada pelo Ricardo Amorim, se vai aumentar o
investimento em segurança, será necessário diminuir em alguma
outra área.
d)
Créditos extraordinários, referentes ao artigo 167, §
3º:
“A abertura de
crédito extraordinário somente será admitida para atender às
despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra,
comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no
art. 62”.
Comentário: É
importante entender que, a PEC limita o total do orçamento, então,
como explicou o Ricardo Amorim, no caso de haver necessidade de
créditos extraordinários, alguma área terá o orçamento reduzido.
Mas é claro que surgirão as interpretações dizendo que os
créditos extraordinários não fazem parte do orçamento, e eu vou
concordar, justamente por isso é que eu gostaria de saber o motivo
de eles serem mencionados na PEC. Senão vejamos, qual foi o crédito
extraordinário do orçamento de 2016, decorrente de guerra? Se não
estou enganado, foi zero, portanto não faria nenhum sentido aumentar
esse investimento de acordo com a inflação. Ou estou errado?
e)
Outras
transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em
função de receita vinculadas.
Comentário: a questão
aqui, é saber se o aumento dessas transferências obrigatórias
implica em diminuir orçamento de outras áreas, ou se haverá
malabarismo contábil, como ocorreu no passado com a CPMF, cuja
transferência para a saúde era obrigatória, mas que em verdade
serviu para substituir os repasses não obrigatórios.
f)
Despesas com aumento de capital de empresas estatais não
dependentes.
Comentário:
Aqui eu nem sei o que dizer, diante da fantástica eficiência que
verifiquei nas estatais brasileiras ao longo de minha vida, vou
aproveitar a oportunidade para ficar calado.
Não
pretendo tirar conclusões, nem emitir opiniões. Quero deixar claro
que controlar gastos é a melhor maneira de superar a crise
brasileira, talvez a única, mas o controle de gastos deve ser feito
por competência de gestão, não por força de lei. Confesso que não
encontro motivos para simpatizar com essa PEC, ao contrário, sinto
um grande receio de ver o país novamente dominado por uma inflação
fora de controle e alimentada sistematicamente por governos
incompetentes. Passo a palavra aos poucos leitores deste blog.
Milton Valdameri (novembro de
2016).
Prezado Milton.
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa.
Quando eu era ainda criança, quando eu largava um chinelo esparramado pelo quarto e minha mãe me ordenava guardá-lo, eu dizia: "é só um chinelo". Aí ela, sabiamente retrucava: "quem não consegue organizar um chinelo, não vai organizar coisa maior quando crescer". Sem a presunção da verdade mas querendo fazer uma síntese do meu pensamento sobre toda esta situação, é que se governantes não conseguem pegar o próprio carro(como qualquer um de nós faz) para andar algumas quadras do seu apartamento funcional (poderiam morar como qualquer um pagando aluguel), até o seu trabalho, como esperar que eles possam cortar gastos que sabemos vazar por todas as frestas do poder? Penso que a PEC é só mais uma cortina de fumaça. E as emendas? Irão os políticos abrir mão das emendas que são a moeda de troca eleitoral com suas bases? As perguntas são muitas mas as respostas já conhecemos. Parabéns mais uma vez por ousar colocar esta questão para ser debatida. Pessoas como você são cada vez mais necessárias, no país.
Meu abraço.
Alcides (herculanun)