terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A Filosofia e Sua Essência

Um blog que tem a pretensão de apresentar ensaios e artigos com mérito filosófico, tem o dever de apresentar um ensaio apresentando aos seus leitores uma referência mínima sobre o que é filosofia, mas principalmente, esclarecer aos leitores de que forma o autor se relaciona com a filosofia, como o autor entende a filosofia e qual o sentido apropriado para o leitor entender o termo filosofia, quando for usado pelo autor. Este é o objetivo deste ensaio e a melhor maneira de começar, é deixando devidamente explícito que o autor não reivindica o título de filósofo, nem se sentiria à vontade com esse título.


A origem etimológica da palavra filosofia vem do grego e literalmente significaria “amor ao conhecimento”, mas considerando que amor é algo que você sente e não algo que você pratica, a filosofia só se torna praticável quando seu significado é apresentado como “busca do conhecimento”. É muito oportuno mencionar que, há muitos anos, li um artigo sobre filosofia, onde alguns “filósofos” mencionados diziam que não existe filosofia oriental, existe apenas sabedoria oriental, o termo filosofia só poderia ser aplicado àquilo que foi produzido com base nos filósofos da Grécia antiga.

Diante deste blog, filosofia é buscar conhecimento, não importa se o indivíduo é ocidental, oriental ou pré-histórico. Mas existe um ponto determinante, que é o significado literal da palavra, “amor ao conhecimento”, este ponto diferencia a busca pelo conhecimento por necessidade ou interesse pessoal, da busca pelo conhecimento por amor, para ampliar o conhecimento mesmo que não receba nenhuma recompensa por essa busca. Isso não deve ser entendido como buscar informações inúteis, inclusive porque informação e conhecimento, são coisas distintas que serão abordadas depois, significa que a utilidade de uma informação também está sujeita à busca do conhecimento.

Poucas pessoas sabem, mas até o Iluminismo, ciência e filosofia eram a mesma coisa, porém, aquilo que hoje denominamos como ciência, era denominada como filosofia da natureza. Ou seja, a filosofia se dividia em buscar o conhecimento do comportamento do ser humano e o comportamento da natureza. Atualmente, o comportamento da natureza é estudado pela ciência, que possui várias ramificações, denominadas de ciências exatas, enquanto que a filosofia se tornou uma ramificação daquilo que foi denominado como ciências humanas.

Lamentavelmente, essa divisão transformou o estudo do comportamento humano em mera especulação, os princípios do conhecimento, identificados pelos filósofos gregos, simplesmente foram abandonados. O próprio curso de filosofia é apenas o estudo da história da filosofia e dos filósofos, a produção de conhecimento foi substituída por produção de opiniões. As exceções, que felizmente existem, corrigem esse problema através da filosofia da ciência, que é uma disciplina dedicada a preservar e ampliar a essência do conhecimento, essa é a disciplina responsável pelo método científico.

Então vamos ver a diferença entre conhecimento e informação. O conhecimento pode ser dividido em três qualidades, científico, filosófico e comum. A informação pode ser dividida em duas qualidades, verdadeira ou falsa. Conhecimento, é quando é possível demonstrar que uma informação é verdadeira ou falsa, sem isso, a informação é crença, não é conhecimento. O conhecimento comum é adquirido no cotidiano e não requer nenhum método, o indivíduo se queima uma vez e adquire o conhecimento de que agindo daquela maneira vai se queimar, é basicamente isso.

O conhecimento científico deve atender aos critérios do método cientifico, obviamente, mas nem sempre esse conhecimento é exato, ou melhor dizendo, nem sempre é absoluto, pois muitas vezes, nem todas as informações necessárias estão disponíveis. Apenas para citar um exemplo, até hoje a ciência não sabe dizer o que é a gravidade, mesmo podendo calculá-la. Mas este ensaio não pretende se aprofundar em método científico, pois ele é baseado nos fundamentos da filosofia.

Infelizmente, nunca houve um tratado filosófico para estabelecer um método filosófico e o método científico é ignorado solenemente sob a desculpa esfarrapada de que filosofia não é ciência exata. Então vou apresentar aqui, aquilo que entendo que deveria ser adotado minimamente como método, pela filosofia e todas as disciplinas que se enquadram em ciências humanas. Os princípios são os mesmos do método científico: verificação ou exame do objeto de estudo (ceticismo), argumentação com consistência lógica (lógica), comparação com a argumentação contrária (dialética), e apresentação das circunstâncias capazes de mostrar que a argumentação está errada (falseabilidade). Atendendo a esses critérios, um conhecimento pode ser considerado filosófico, sem isso, é opinião ou crença, jamais conhecimento.

O ceticismo surgiu com Pirro de Élis, mas a escola do ceticismo não prosperou, pois criou uma armadilha para si mesma, começou alegar que não bastava provar, era necessário provar que a prova provava, e assim sucessivamente. A lógica foi apresentada ao mundo, de maneira formal, por Aristóteles, contemporâneo de Pirro. A lógica é a base de todo o conhecimento, mas ela própria está sujeita ao ceticismo, é necessário verificar se as premissas são verdadeiras e se o raciocínio em si é consistente.

A dialética era usada por Sócrates, não existe nenhuma dialética de Marx ou de Hegel, como acreditam os marxistas. Dialética consiste em apresentar uma tese diante de uma tese contrária (antítese), como forma de por a tese sob avaliação, podendo resultar da dialética, tanto a supremacia de uma das teses, como uma tese totalmente nova (síntese). Essa descrição do que é dialética, está de acordo com a descrição usada por Hegel, mas isso não significa que ele tenha inventado uma dialética diferente daquela usada por Sócrates, apenas descreveu o que é dialética de uma maneira mais apropriada.

A falseabilidade surgiu apenas na década de 1930, com Karl Popper, é princípio essencial para o conhecimento, pois não há conhecimento baseado no não saber, ou seja, ninguém pode dizer que algo está correto, sem saber o que faria aquilo estar errado. O exemplo típico é: dizer que todos os cisnes são brancos, vai se mostrar falso se alguém encontrar um cisne preto. Esse critério resolve o problema do ceticismo, quanto à necessidade de provar que a prova é realmente uma prova, pois oferece aos outros a possibilidade de refutar aquilo que foi afirmado.

É importante observar que nenhum critério funciona isoladamente,, portanto, por mais verdadeira que seja uma informação, ela só será conhecimento filosófico se atender aos quatro critérios, caso contrário a informação será superficial e vazia, será igual à uma opinião ou crença. Mas existe uma maneira mais simples de entender os princípios do conhecimento filosófico: a) descrever detalhadamente o objeto do estudo; b) descrever detalhadamente o método do estudo e as premissas envolvidas; c) apresentar o estudo para ser verificado por outras pessoas; d) identificar aquilo que pode demonstrar que o estudo está incorreto.

O motivo pelo qual a filosofia abandonou os critérios do conhecimento é facilmente identificável, durante mais de mil anos, a religião dominou o ensino na cultura ocidental, quando a ciência se separou da filosofia, também se separou da religião, enquanto que a filosofia e suas ramificações continuaram sob influência da religião, onde a autoridade do indivíduo dispensava o uso dos critérios de avaliação do conhecimento. Seria razoável se aqueles que reivindicam o status de ciências humanas para suas atividades, refletissem sobre estarem produzindo conhecimento ou crença, se é ciência ou religião.



Milton Valdameri (janeiro de 2017).

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