quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O Mundo dos Zumbis

Obviamente os leitores estão se perguntando, o que um blog voltado para filosofia tem a ver com personagens de filmes de terror. A resposta é simples: nada. Este ensaio não trata de filmes de terror, mas de zumbis da vida real. Agora que o autor endoidou de vez, dizendo que existem zumbis na vida real, poucos continuarão a ler este ensaio, então é melhor se esforçar o máximo para não decepcioná-los. Mas será necessário mencionar os filmes, pois é deles que vem a concepção das pessoas para o termo zumbi, porém este ensaio pretende apresentar uma outra concepção, que poderá surpreender.
A concepção popular de zumbis vem do cinema, basicamente do filme Zumbi, o despertar dos mortos, onde os mortos retornam à vida e se alimentam dos vivos, normalmente atacando em hordas. Essa a primeira imagem que vem à mente das pessoas quando ouvem a palavra zumbi. Mas o primeiro filme foi Zumbi Branco, de 1932, onde pessoas saudáveis eram transformadas em trabalhadores zumbis, no Haiti.

O sucesso dos filmes de zumbis também produziu reportagens e documentários sobre a lenda dos zumbis no Haiti, que seriam criados por sacerdotes do voodoo. Em um desses documentários, um sacerdote voodoo disse que os zumbis não são de origem voodoo, mas de outra cultura que se extinguiu. Essa outra cultura, da qual não temos nenhuma informação, teve poucos indivíduos que foram escravizados juntos com o povo da cultura voodoo. Como esses indivíduos não tinham condições de praticarem seus rituais, passaram a praticar o ritual voodoo, como eram sacerdotes de outra cultura, transmitiram seus conhecimentos para o sacerdote voodoo. Os conhecimentos dessa cultura, que inclui a criação de zumbis, só pode ser transmitida para uma pessoa, que deve ser de total confiança e guardará o segredo até encontrar alguém para transmitir, se não encontrar alguém de confiança, o segredo deverá morrer com aquele que o possui.

O termo zumbi fez tanto sucesso, que é utilizado na biologia para determinar espécimes que estejam sendo controladas por patógenos hospedeiros. Essa concepção de zumbi, a partir da biologia, deu origem a novos filmes no início do século XXI, onde os zumbis são infectados por algum vírus. A filosofia, ou isso que estão chamando de filosofia nos dias de hoje, também recorreu ao termo zumbi, na década de 1990, David Chalmers cunhou o termo zumbi filosófico, que seria uma pessoa hipotética que não possui consciência plena mas tem a biologia ou o comportamento de um ser humano normal. Com todo o respeito que o Sr. David Chalmers merece, isso é deficiência intelectual, ou deficiência mental, não tem nenhuma relação com o termo zumbi.

Mas este ensaio pretende fazer uma abordagem original, literalmente original, ou seja, abordar a origem da palavra zumbi e descobrir seu significado mais profundo. Para fazer essa abordagem, é necessário buscar o entendimento que a palavra zumbi poderia ter para a cultura voodoo, antes de ter contato com a cultura ocidental. Não faz sentido especular sobre a suposta cultura que tinha o conhecimento de transformar pessoas em zumbis, não existem informações sobre sua existência e as pessoas transformadas em zumbis por poções ou pós mágicos são lendas e nada mais que isso.

Mas as culturas africanas milenares não são baseadas apenas em rituais, elas possuíam ricas mitologias que em sua maioria foi perdida, uma parte foi deturpada, outra parte foi transformada em simples lenda e pouca coisa foi realmente preservada. Este ensaio considera a possibilidade de a mitologia do zumbi, agora transformada em lenda, ter um significado mais importante do que se imagina, e ao contrário da lenda que simplesmente aterroriza as pessoas, representava justamente a proteção mental para o indivíduo não se tornar um zumbi.

O termo zumbi significa “morto vivo”, ou seja, um indivíduo que, embora esteja biologicamente vivo, não possui vida, ou numa interpretação mais apropriada, a vida que anima aquele corpo está sob o domínio de outra pessoa. A lenda diz que a pessoa se torna zumbi, quando um feiticeiro traz de volta à vida, uma pessoa que tenha morrido. Mas essa lenda parece muito mais influenciada pela crença ocidental da ressurreição, do que algo que as culturas primitivas tenham concebido. As culturas africanas melhores conhecidas, como a Iorubá, a Jeje e a Bantu, são extremamente focadas na valorização da individualidade, cada indivíduo possui sua própria personalidade e isso é o que há de mais sagrado na vida de uma pessoa.

Considerando que a personalidade do indivíduo seria o que há de mais sagrado, ou seja, a própria vida do indivíduo, um zumbi seria alguém que, embora estivesse vivo biologicamente, estaria morto em sua personalidade, vivendo subjugado e escravizado pela personalidade de outra pessoa. É dessa forma que entra a capacidade do sacerdote em transformar os indivíduos em zumbis, não por poções ou pós mágicos, nem mesmo precisa ser por iniciativa própria do sacerdote, mas pela ação do próprio indivíduo que atribuiu ao sacerdote uma importância maior que a própria personalidade, que a própria individualidade, ou seja, maior que a própria vida. Desta forma, um zumbi é um indivíduo que vive escravizado mentalmente por outra pessoa, segue de forma autômata as ideias e crenças de outra pessoa, sem usar sua própria capacidade mental.

A maioria das pessoas, podem considerar impossível que uma cultura africana milenar tivesse em sua mitologia, um conceito tão sofisticado, a sociedade atual costuma se considerar superior, em inteligência, às sociedades antigas, principalmente as mais primitivas, simplesmente porque conseguem apertar botões em alguns aparelhos. Não fazem a menor ideia de que as sociedades primitivas usavam o raciocínio e a inteligência praticamente o tempo todo, a sobrevivência dependia disso, ao contrário da sociedade atual que está repleta de comportamentos estereotipados.

Agora analise o comportamento de muitas pessoas que frequentam igrejas, militam em partidos políticos, movimentos supostamente sociais, simpatizantes de teorias “filosóficas” e “psicológicas”, seguidores de autores de livros de autoajuda e mistificadores dos mais diversos tipos. Um indivíduo de uma sociedade primitiva não reconheceria personalidade individual nessas pessoas, seriam como pessoas sem vida, embora não estivessem biologicamente mortas, ou seja, seriam “mortos vivos”. Qual seria a palavra usada para identificar essas pessoas, em diferentes idiomas, não faz a menor diferença, o significado seria o mesmo da palavra zumbi.

Seria muito interessante se, as pessoas deixassem de alimentar temores sobre a possibilidade de serem transformadas em zumbi por algum sacerdote voodoo e começassem a prestar atenção ao seu redor, talvez existam muitos sacerdotes que não praticam o voodoo, mas estejam transformando muitas pessoas em zumbis. Seria muito benéfico se a sociedade atual tivesse uma mitologia para mostrar o perigo de ser transformado em zumbi pelo(s) sacerdote(s) e pela(s) crença(s).

(Milton Valdameri, fevereiro de 2017).

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