Obviamente
os leitores estão se perguntando, o que um blog voltado para
filosofia tem a ver com personagens de filmes de terror. A resposta é
simples: nada. Este ensaio não trata de filmes de terror, mas de
zumbis da vida real. Agora que o autor endoidou de vez, dizendo que
existem zumbis na vida real, poucos continuarão a ler este ensaio,
então é melhor se esforçar o máximo para não decepcioná-los.
Mas será necessário mencionar os filmes, pois é deles que vem a
concepção das pessoas para o termo zumbi, porém este ensaio
pretende apresentar uma outra concepção, que poderá surpreender.
A
concepção popular de zumbis vem do cinema, basicamente do filme
Zumbi, o despertar dos
mortos,
onde os mortos retornam à vida e se alimentam dos vivos, normalmente
atacando em hordas. Essa a primeira imagem que vem à mente das
pessoas quando ouvem a palavra zumbi. Mas o primeiro filme foi Zumbi
Branco,
de 1932, onde pessoas saudáveis eram transformadas em trabalhadores
zumbis, no Haiti.
O sucesso dos filmes de zumbis
também produziu reportagens e documentários sobre a lenda dos
zumbis no Haiti, que seriam criados por sacerdotes do voodoo. Em um
desses documentários, um sacerdote voodoo disse que os zumbis não
são de origem voodoo, mas de outra cultura que se extinguiu. Essa
outra cultura, da qual não temos nenhuma informação, teve poucos
indivíduos que foram escravizados juntos com o povo da cultura
voodoo. Como esses indivíduos não tinham condições de praticarem
seus rituais, passaram a praticar o ritual voodoo, como eram
sacerdotes de outra cultura, transmitiram seus conhecimentos para o
sacerdote voodoo. Os conhecimentos dessa cultura, que inclui a
criação de zumbis, só pode ser transmitida para uma pessoa, que
deve ser de total confiança e guardará o segredo até encontrar
alguém para transmitir, se não encontrar alguém de confiança, o
segredo deverá morrer com aquele que o possui.
O
termo zumbi fez tanto sucesso, que é utilizado na biologia para
determinar espécimes que estejam sendo controladas por patógenos
hospedeiros. Essa concepção de zumbi, a partir da biologia, deu
origem a novos filmes no início do século XXI, onde os zumbis são
infectados por algum vírus. A filosofia, ou isso que estão chamando
de filosofia nos dias de hoje, também recorreu ao termo zumbi, na
década de 1990, David
Chalmers
cunhou o termo zumbi
filosófico,
que seria uma pessoa hipotética que não possui consciência plena
mas tem a biologia ou o comportamento de um ser humano normal. Com
todo o respeito que o Sr. David
Chalmers
merece, isso é deficiência intelectual, ou deficiência mental, não
tem nenhuma relação com o termo zumbi.
Mas este ensaio pretende fazer
uma abordagem original, literalmente original, ou seja, abordar a
origem da palavra zumbi e descobrir seu significado mais profundo.
Para fazer essa abordagem, é necessário buscar o entendimento que a
palavra zumbi poderia ter para a cultura voodoo, antes de ter contato
com a cultura ocidental. Não faz sentido especular sobre a suposta
cultura que tinha o conhecimento de transformar pessoas em zumbis,
não existem informações sobre sua existência e as pessoas
transformadas em zumbis por poções ou pós mágicos são lendas e
nada mais que isso.
Mas as culturas africanas
milenares não são baseadas apenas em rituais, elas possuíam ricas
mitologias que em sua maioria foi perdida, uma parte foi deturpada,
outra parte foi transformada em simples lenda e pouca coisa foi
realmente preservada. Este ensaio considera a possibilidade de a
mitologia do zumbi, agora transformada em lenda, ter um significado
mais importante do que se imagina, e ao contrário da lenda que
simplesmente aterroriza as pessoas, representava justamente a
proteção mental para o indivíduo não se tornar um zumbi.
O termo zumbi significa “morto
vivo”, ou seja, um indivíduo que, embora esteja biologicamente
vivo, não possui vida, ou numa interpretação mais apropriada, a
vida que anima aquele corpo está sob o domínio de outra pessoa. A
lenda diz que a pessoa se torna zumbi, quando um feiticeiro traz de
volta à vida, uma pessoa que tenha morrido. Mas essa lenda parece
muito mais influenciada pela crença ocidental da ressurreição, do
que algo que as culturas primitivas tenham concebido. As culturas
africanas melhores conhecidas, como a Iorubá, a Jeje e a Bantu, são
extremamente focadas na valorização da individualidade, cada
indivíduo possui sua própria personalidade e isso é o que há de
mais sagrado na vida de uma pessoa.
Considerando que a personalidade
do indivíduo seria o que há de mais sagrado, ou seja, a própria
vida do indivíduo, um zumbi seria alguém que, embora estivesse vivo
biologicamente, estaria morto em sua personalidade, vivendo subjugado
e escravizado pela personalidade de outra pessoa. É dessa forma que
entra a capacidade do sacerdote em transformar os indivíduos em
zumbis, não por poções ou pós mágicos, nem mesmo precisa ser por
iniciativa própria do sacerdote, mas pela ação do próprio
indivíduo que atribuiu ao sacerdote uma importância maior que a
própria personalidade, que a própria individualidade, ou seja,
maior que a própria vida. Desta forma, um zumbi é um indivíduo que
vive escravizado mentalmente por outra pessoa, segue de forma
autômata as ideias e crenças de outra pessoa, sem usar sua própria
capacidade mental.
A maioria das pessoas, podem
considerar impossível que uma cultura africana milenar tivesse em
sua mitologia, um conceito tão sofisticado, a sociedade atual
costuma se considerar superior, em inteligência, às sociedades
antigas, principalmente as mais primitivas, simplesmente porque
conseguem apertar botões em alguns aparelhos. Não fazem a menor
ideia de que as sociedades primitivas usavam o raciocínio e a
inteligência praticamente o tempo todo, a sobrevivência dependia
disso, ao contrário da sociedade atual que está repleta de
comportamentos estereotipados.
Agora analise o comportamento de
muitas pessoas que frequentam igrejas, militam em partidos políticos,
movimentos supostamente sociais, simpatizantes de teorias
“filosóficas” e “psicológicas”, seguidores de autores de
livros de autoajuda e mistificadores dos mais diversos tipos. Um
indivíduo de uma sociedade primitiva não reconheceria personalidade
individual nessas pessoas, seriam como pessoas sem vida, embora não
estivessem biologicamente mortas, ou seja, seriam “mortos vivos”.
Qual seria a palavra usada para identificar essas pessoas, em
diferentes idiomas, não faz a menor diferença, o significado seria
o mesmo da palavra zumbi.
Seria muito interessante se, as
pessoas deixassem de alimentar temores sobre a possibilidade de serem
transformadas em zumbi por algum sacerdote voodoo e começassem a
prestar atenção ao seu redor, talvez existam muitos sacerdotes que
não praticam o voodoo, mas estejam transformando muitas pessoas em
zumbis. Seria muito benéfico se a sociedade atual tivesse uma
mitologia para mostrar o perigo de ser transformado em zumbi pelo(s)
sacerdote(s) e pela(s) crença(s).
(Milton Valdameri, fevereiro de
2017).
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