domingo, 26 de fevereiro de 2017

O Mundo Sem Dinheiro

Fiquem calmos, não se trata de uma previsão catastrófica sobre um colapso financeiro global. Porém existem fortes indicativos mostrando que o dinheiro deverá de existir devido ao desenvolvimento da tecnologia, mas isso não será um problema, não acontecerá (se acontecer) de forma repentina e também existem indicadores mostrando que a sociedade já se prepara para essa situação. Para a sociedade atual, é muito difícil conceber um mundo sem dinheiro, mas considerando que a humanidade tem pelo menos cem mil anos e o dinheiro existe há cinco mil anos, o dinheiro não foi necessário durante noventa por cento da existência da humanidade.

Para entender este ensaio, é necessário recordar brevemente a história do dinheiro. O surgimento do dinheiro, foi uma consequência do desenvolvimento das relações humanas, sua função inicial foi facilitar a operação de troca de mercadorias. Em síntese, o dinheiro representa uma mercadoria, que seria denominada de “mercadoria dinheiro”, mas até hoje não existe uma representação realmente eficiente, ou seja, não existe uma moeda realmente eficiente. Já foram usadas conchas, sementes e o sal, como mercadoria moeda, mas conforme o mercado (sistema de troca de mercadorias) se desenvolvia, o conceito de mercadoria moeda também ia se desenvolvendo, como consequência, as mercadorias moedas iam sendo substituídas.

A última mercadoria dinheiro foi o ouro, esse modelo passou por uma grave crise durante a primeira guerra mundial, voltou a funcionar de forma satisfatória, mas foi definitivamente abandonado em 1971. De certa forma, o fim do padrão ouro já é uma forma de extinção do dinheiro, principalmente porque ninguém entende o que é dinheiro. Um livro que explica o que é dinheiro, publicado nos EUA, possui quinhentas páginas, portanto, a possibilidade de ser compreendido pela maioria das pessoas é mínima, para não dizer nula.

A melhor maneira de entender o dinheiro atualmente, é fazendo uma analogia com as ações de uma empresa, mas não resolve muita coisa, pois ninguém entende o mercado de ações, se forem ações de uma empresa do Eike Baptista, aí ferrou de vez. Mas para a população em geral não sente a menor necessidade de entender o que é dinheiro, ela trabalha para receber dinheiro e o que importa é a quantidade de mercadorias que ele pode comprar com o dinheiro que recebe.

É nesse ponto que reside o problema, as pessoas não conseguem conceber alguém trabalhando sem receber dinheiro, ou alguém trabalhando sem a necessidade do dinheiro. Mas um homem da pré-história jamais entenderia a troca de uma vaca por algumas moedas de ouro.

Mas agora a coisa vai ficar interessante. Independente do modelo em vigência, dinheiro sempre representou riqueza e segundo a forma mais ortodoxa da teoria de Adam Smith, a riqueza é produzida pelo trabalho. Logo, o dinheiro deve ser usado para remunerar o trabalho que produziu a riqueza, é exatamente isso que o Adam Smith diz. Mas estamos vivendo um momento inusitado na história da humanidade, a quantidade de pessoas que produzem riqueza, em percentual, está constantemente diminuindo, ao mesmo tempo em que a produção de riquezas está constantemente aumentando. Quem está produzindo essa riqueza? A resposta é bem conhecida, as máquinas.

Agora é que vem a cereja do bolo. O mais novo debate no mundo da economia, é se os robôs devem pagar impostos. Bill Gates já se manifestou a favor de robôs pagarem impostos, o mesmo Bill Gates que, quando a IBM lançou o PC-XT, com 640 Kbytes de memória RAM, disse que ninguém precisaria de memória maior em seus computadores. O editor de textos usado para escrever este ensaio, usa mais memória que isso, felizmente Bill Gates tem outras contribuições para a humanidade, além de suas previsões futurísticas.

Em primeiro lugar, os robôs já pagam impostos, ou melhor, já são cobrados os impostos quando uma empresa, ou mesmo um indivíduo compra um robô, da mesma forma como são cobrados os impostos quando a produção do robô é vendida. Então por que querem tributar novamente a produção do robô? A única justificativa é distribuir o dinheiro do imposto pago pelo robô às pessoas que perderam o emprego para o robô.

Agora façamos um raciocínio simples: o que um robô faz com a riqueza que produz? A resposta é simples, nada, pois robôs não precisam de riquezas, remuneração ou dinheiro, portanto ele pode distribuir a riqueza que produz gratuitamente. Ou estou errado? A produção do robô precisa ser vendida, apenas para repor o dinheiro investido, mas por que é necessário pagar pelo robô, se ele produzirá riqueza? Isso não faz o menor sentido, significa cobrar pela produção, em vez de remunerar a produção. Essa é a chave do problema, o dinheiro poderá deixar de ter a capacidade de remunerar a produção, portanto não haverá motivo para existir.

O desenvolvimento da tecnologia resolveu o problema da produção de riquezas, o problema agora é, como produzir consumidores dessa riqueza. Mas produzir consumidores não implica em produzir apenas pessoas, são necessárias pessoas com dinheiro, para ter dinheiro é necessário ter emprego e não haverá emprego na produção de riquezas. Para o dinheiro continuar existindo, precisará ser reinventado, pois não representará mais mercadoria ou riqueza, terá que representar serviço, e mesmo assim, muitos serviços serão prestados por robôs. Além do mais, as pessoas não prestarão serviço para quem produz a riqueza, não prestarão serviços aos robôs.

Mas reinventar o dinheiro poderá não fazer diferença, o dinheiro terá que ser distribuído de graça para que as pessoas possam comprar aquilo que as máquinas produzem, portanto fica a seguinte pergunta: por que distribuir dinheiro em vez de distribuir a produção diretamente?

Para encerar, quero deixar claro que nada neste ensaio está ligado com idealismo político, trata-se pura e simplesmente de consequências do desenvolvimento da sociedade. Para as pessoas da sociedade atual, viver sem dinheiro é tão inimaginável, quanto seria para uma pessoa da pré-história imaginar a troca de uma vaca por algumas moedas de ouro, no entanto o inimaginável já aconteceu uma vez.


(Milton Valdameri, fevereiro de 2017).

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