René Descartes foi uma dessas
pessoas que mudaram o rumo da humanidade, é difícil dizer qual foi
sua maior contribuição, mas uma das contribuições mais
importantes não foi uma obra sua, mas o resgate de uma obra antiga,
a escola filosófica do ceticismo, criada por um filósofo da Grécia
Antiga, Pirro de Élis, contemporâneo de Aristóteles. O ceticismo é
a base do método científico, Descartes é considerado o pai do
ceticismo moderno, no entanto eu entendo que não existe ceticismo
moderno, o que existe é um melhor entendimento e aplicação do
ceticismo, por parte do método científico, porém isso seria tema
para outro ensaio.
Por outro lado, o entendimento
do ceticismo, por parte da população em geral, é equivocado e esse
equívoco está diretamente ligado ao título do ensaio, a frase
“penso, logo, existo”. O termo cético significa
“aquele que examina” e ceticismo, por consequência, é a
prática de examinar tudo, por isso o ceticismo é a base do método
científico. Infelizmente, o entendimento equivocado do termo cético
faz o público utilizar esta palavra com o significado de “aquele
que não acredita”. Para entender como ocorreu esse equívoco,
é necessário conhecer a história por trás do surgimento da famosa
frase.
Descartes decidiu examinar se
era possível, e como seria, “não acreditar em nada”. Foi
dessa forma que as pessoas passaram a entender que a palavra cético
significa não acreditar em nada, mas Descartes não estava
examinando “como ser cético”, ele estava sendo cético
por examinar como era não acreditar em nada, ou seja, estava sendo
cético justamente sobre “não acreditar em nada”. Em determinado
ponto do experimento, Descartes percebeu que para não acreditar em
nada, ele não poderia acreditar nem mesmo na própria existência.
Não sei quantas etapas o
experimento teve, até chegar no ponto derradeiro, mas com certeza,
todas elas poderias ter sido dispensadas, pois se ele não
acreditasse na própria existência, não poderia acreditar em
nenhuma outra coisa. Como Descartes não conseguiu deixar de
acreditar que ele existia, ele precisou apresentar um argumento
convincente para mostrar que existia. Esse argumento foi a famosa
frase “penso, logo, existo”, ou seja, ele encontrou uma
saída pela tangente. Sem dúvida, Descartes atingiu o objetivo de
apresentar um argumento convincente, inclusive o tal argumento se
tornou uma das frases mais famosas da história, infelizmente, no meu
entendimento, também foi medíocre e catastrófico.
Medíocre porque o pensamento
é uma consequência da existência humana, mas não é necessário
pensar para existir, pedras não pensam, no entanto existem. Não vou
sugerir aqui, formas de demonstração de que pedras existem, pois
não resistiria a tentação de ser, digamos assim, indelicado.
Catastrófico porque remete a uma existência que está além do “ser
natural” e sugere a existência de um “ser espiritual”
que comanda o “ser natural”. A questão do “ser
natural” e “ser sobrenatural” foi abordado no ensaio
“A Invenção do Ser”.
Para entender a existência do
ser humano, como ser natural, é eficiente tomar como referência uma
pessoa em coma. Segundo os padrões do conhecimento atual e com os
recursos da tecnologia atual, um indivíduo em coma não pensa,
portanto, dentro do raciocínio do Descartes, caso ele ficassem em
coma por um dia, ele teria deixado de existir por um dia. Agora vem a
questão, como o ser que pensa volta a existir quando um indivíduo
sai do estado de coma?
O
fato é que esse experimento do Descartes foi uma catástrofe desde o
princípio, pois ele não separou conhecimento de crença e o
resultado foi esse que vemos hoje, as pessoas entendendo que ser
cético é não acreditar em nada, em vez de entender que ser cético
é examinar tudo, porém o mais grave, é que as pessoas passaram a
entender que conhecimento e crença são a mesma coisa, e acabaram
substituindo o conhecimento pela crença.
Descartes
foi uma das pessoas mais importantes para o desenvolvimento do
conhecimento humano, o experimento relatado neste ensaio não diminui
os méritos. Para encerrar cito outro brilhante pensador, o
brasileiro Millor Fernandes: “penso, logo, eis isto”.
(Milton Valdameri, março de
2017).
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