Esta crônica pretende abordar a dinâmica da política brasileira, com a
intenção de mostrar como o país chegou à situação bizarra em
que se encontra. Esta crônica foi escrita para ser lida de forma
totalmente independente de outros ensaios, mas é possível que
alguns leitores façam relação com ensaios anteriores, que abordam
a questão filosófica de substituir conhecimento por crença, mas
essa relação está subordinada à intenção do leitor, pura e
simplesmente, seja para complementar esta crônica ou complementar
algum ensaio anterior.
O
historiador Marco Antônio Villa costuma dizer que a república foi
anunciada, mas jamais proclamada, então vejamos o que significa uma
república de acordo com os princípios filosóficos da Grécia
Antiga. Existem três formas de governo, a monocracia, onde apenas um
indivíduo governa e pode se transformar em ditadura; a aristocracia,
onde um grupo de pessoas governa e pode se transformar em oligarquia;
a democracia, onde todos governam e pode se transformar em demagogia.
A república se propõe a reunir as três formas de governo, com a
intenção de fazer com que uma forma evite os vícios das outras
formas. O Brasil reuniu os três vícios.
A
suposta república brasileira surgiu com uma ditadura militar, que
foi sustentada por oligarquias. A ditadura militar foi substituída
por um governo de oligarquias sustentadas pela demagogia. Em quase
130 anos dessa suposta república, os regimes foram se alternando
entre ditaduras sustentadas por oligarquias e oligarquias sustentadas
por demagogia. Cada vez que ocorria uma alternância de regime,
criava-se uma nova esperança, porém, os instrumentos de corrupção
e de manipulação da população foram sendo ampliados, se renovando
e se fortalecendo. Oportuno lembrar que Emílio Odebrecht declarou em
juízo, que as práticas que foram escancaradas pela operação Lava
Jato (propinas), já existiam na época do seu avô.
Para
não tornar a crônica muito extensa, vou começar lembrando o que
ocorreu no país, começando por 1970. Durante o governo Médice, o
Brasil viveu um período denominado de “milagre brasileiro”, era
considerado um país em desenvolvimento e o país do futuro. Havia
campanhas que incentivavam a confiança no futuro, eu gostava de
cantar Eu Te Amo Meu
Brasil, dos
Incríveis, e gosto muito dessa música até hoje.
É
impossível eu ouvir a música tema da seleção brasileira de
futebol, que venceu a Copa do México, Pra
Frente Brasil, sem
lembrar da primeira copa que assisti e das pipocas voando pela sala,
sempre que o Brasil fazia um gol. Mas ninguém jogava pipoca pro alto
intencionalmente, o pulo era inevitável e ninguém se preocupava com
as pipocas que estavam na mão. No começo da década de 1970, eram
poucos os brasileiros que não acreditavam no Brasil, mesmo aqueles
que discordavam politicamente do governo, acreditavam firmemente em
seu crescimento.
Com
a primeira crise internacional do petróleo, o milagre brasileiro
definhou. Passada a crise internacional, os denominados países em
desenvolvimento, como o Brasil, México e Argentina, herdaram do
modelo adotado para enfrentar a crise, um processo inflacionário,
que foi agravado com a segunda crise internacional do petróleo. Com
crise ou sem crise, com inflação ou sem inflação, o lema nunca
deixou de ser “acreditar no Brasil”, mesmo
que não significasse acreditar no governo, o lema era usado também
pela oposição.
Com
o fracasso da política econômica, a população começou a
acreditar na abertura política, o principal objeto de devoção
dessa crença foi a campanha das “Diretas Já”, cujo fracasso
direcionou a devoção para a eleição de Tancredo Neves no
colégio eleitoral. A
nova esperança adoeceu um dia antes da posse e morreu quinze dias
depois. Por um ano, a população substituiu o “acreditar no
Brasil” pelo “vamos deixar como está, para ver o que acontece”.
Um
ano após os militares terem saído do comando da nação, a inflação
estava fora de controle, em 16/02/1986, com a inflação chegando ao
15% ao mês, o então presidente, José Sarney, anunciou o Plano
Cruzado. A população acreditou piamente, com a exceção de poucos
hereges, como eu. Após as eleições para governadores, senadores e
deputados, a fantasia desmoronou e a inflação reapareceu em 80% ao
mês. Mas nem tudo estava perdido, durante o êxtase do Plano
Cruzado, a população elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte.
A
população começou a acreditar na nova Constituição, com exceção
do herege de sempre, eu. O mais impressionante é que essa crença na
Constituição perdura até hoje, mesmo com a confissão de um dos
constituintes, Nelson Jobim, que também foi ministro da Justiça,
presidente do STF e ministro da Defesa, confessando
que a Constituição
foi redigida, deliberadamente, de forma ambígua. Mas além da crença
na Nova Constituição, também surgiram as crenças na eleição
direta, estabelecida pela constituição, e no “Caçador de
Marajás”.
A
primeira eleição direta após o período governado pelos militares,
foi decidida em segundo turno, disputado pelo caçador de marajás,
Fernando Collor de Melo e o operário que só trabalhou quatro anos e
estava aposentado há mais de vinte, Luiz Inácio Lula da Silva. Eu
votei em branco, sob a alegação que nenhum dos dois terminaria o
mandato, o que me rendeu agradáveis “apedrejamentos” por ambos
os lados. O vencedor da eleição, Fernando Collor, foi deposto por
processo de impeachment com dois anos de mandato.
Com
Itamar Franco assumindo o lugar de Collor, iniciou novo período de
“vamos deixar como está”, mas dessa vez não tinha o “para ver
o que acontece”, a crença era que não aconteceria nada e tudo se
resumia em esperar
a próxima eleição. Em um ano de governo Itamar, foram lançados
quatro planos econômicos, o Itamar I, II, III e IV, dos quais
ninguém lembra e ninguém depositou qualquer confiança na época.
O
motivo para a população não depositar confiança nos planos do
Itamar é simples, o presidente não tinha apelo populista e os
planos não interferiam diretamente na vida da população. Ao
contrário de todos os
outros que foram piamente apoiados e resultaram em catástrofes, os
planos do Itamar
diziam respeito às praticas do governo. No segundo ano de governo
Itamar, surgiu um quinto plano, o Plano Real, esse sacudiu a
população, que voltou a acreditar no Brasil, mais precisamente no
“Pai do Plano Real”, Fernando Henrique Cardoso.
Até
hoje, a população brasileira ignora que o Plano Real só foi
possível devido ao sucesso dos quatro primeiros planos do governo
Itamar, que organizou o governo e as contas públicas, proporcionando
as condições para a estabilidade monetária. FHC se elegeu
presidente, vencendo Lula no primeiro turno. Embora FHC não seja um
populista, a população se encarregou de criar um populismo por
conta própria, com base no “Pai do Plano Real”.
Durante
os dois mandatos de FHC, ocorreram cinco crises internacionais, como
a estabilidade monetária no Brasil era algo recente, o Brasil se
tornava muito vulnerável às crises e o governo de FHC teve como
principal característica a consolidação do Plano Real, de forma
muito apropriada e responsável, diga-se de passagem. Quando a última
crise internacional, produzida pelo Onze de Setembro, começou a ser
superada, com o mercado internacional iniciando um longo período de
crescimento, surgiu a crise interna, a possível eleição de Lula.
Durante
o último ano do governo FHC, o mercado internacional deixou de
investir no Brasil devido à possível eleição de Lula, o que
ajudou o Lula a se eleger, iniciando o período “A Esperança
Venceu o Medo”. O mercado internacional continuou receoso com o
Brasil por mais um ano, voltando a investir lentamente no segundo ano
do governo Lula, no terceiro ano os reflexos da bolha
de crescimento internacional foram
sentidos também no
Brasil.
Ao
mesmo tempo em que o reflexos do crescimento internacional produziam
crescimento no Brasil, surgiu o escândalo do Mensalão. Minha
alegação de que, nem Collor nem Lula terminaria seus mandatos
estava se confirmando, mas Lula terminou o mandato e ainda se
reelegeu. Em depoimentos na Operação Lava Jato, foi revelado que
houve um acordo entre partidos, muito bem remunerado, diga-se de
passagem, que evitou o impeachment do Lula. Contabilizo isso como um
gol que eu fiz, mas o juiz não marcou porque não quis.
Lula
foi reeleito com as entranhas do Mensalão à mostra, Dilma foi
eleita com a crise já exposta, foi
reeleita com a crise escancarada e o Petrolão desfilando pelos
noticiários. Uma semana após a reeleição de Dilma, a popularidade
da presidente despencou e o segundo mandato começou com a população
acreditando no impeachment da reeleita. Consumado o impeachment, a
população passou a acreditar no “novo governo”.
O
novo governo, constituído pelo vice da rejeitada e pela maioria dos
partidos que sustentaram os governos do PT, todos muito bem
envolvidos no esgoto que a Operação Lava Jato colocou a céu
aberto, está se mantendo em pé por não ter onde cair. Mas a
população não está desamparada, ela acredita que a Operação
Lava Jato vai acabar com a corrupção.
Então
vejamos, com o fim dos governos militares, a população acreditou
que a corrupção seria severamente combatida, mas aumentou no
governo Sarney. Com a nova constituição e a eleição direta, a
população acreditou que a corrupção seria severamente combatida,
mas aumentou no governo Collor. Com o impeachment do Collor, a
população acreditou que a corrupção seria severamente combatida,
mas o escândalo dos “Anões do Orçamento” mostrou que a
corrupção tem vida própria, no entanto a população continuou
acreditando que a suposta democracia que existe no Brasil combateria
a corrupção, pelo menos um pouco.
Com
o fim do processo inflacionário, a partir do Plano Real, a corrupção
deixou de ser uma preocupação da população, com o crescimento
produzido pela bolha
na economia internacional, a corrupção passou a ser apenas um
processo natural da política brasileira, onde o presidente precisa
apenas “não saber” que ela existe. Com o processo do Mensalão,
os formadores de opinião disseminaram a crença de que a corrupção
no Brasil nunca mais seria a mesma, e acertaram, ela se tornou muito
mais poderosa e criou tentáculos internacionais.
Agora
vende-se a ideia de que a Lava Jato vai acabar com a corrupção,
como se a corrupção crescesse
de cima para baixo. Emílio
Odebrecht disse em juízo que o esquema de propina existe desde a
época do seu avô, mas esqueceu de dizer que ela começa nos
municípios, que produzem os vereadores e prefeitos que serão os
deputados, senadores e governadores, que por sua vez serão os
ministros e o próprio presidente. Alguma coisa está sendo feita, no
sentido de combater a corrupção em sua origem?
No
meu entendimento, a Lava Jato poderá fazer, no máximo, uma entre
safra da corrução, um período onde os galhos da árvore serão
podados, inclusive porque a corrupção que obviamente existe no
poder judiciário não está sendo investigada em nenhum nível. Mas
não se deixe influenciar por este herege, tenha fé. Agora vai!
(Milton
Valdameri, abril de 2017).
Muito bem relatado , texto de notório auto conhecimento de quem vivenciou e estudou etapas da nossa história
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