quarta-feira, 24 de maio de 2017

A Lava Jato no Banco dos Réus

A Operação Lava Jato está sendo a menina dos olhos da maioria da população brasileira há três anos. Os últimos acontecimentos, ocorridos entre 17/05/2017 e 23/05/2017, colocaram a Lava Jato em situação, no mínimo, preocupante. Em primeiro lugar é necessário dizer que a Lava Jato nunca foi uma primazia jurídica, mas também é necessário dizer que, no Brasil, o mundo jurídico é caótico, portanto não se pode esperar primazia jurídica em nenhuma operação. Este ensaio tentará enxergar além da cortina de fumaça que envolveu a vida política e jurídica do Brasil.

Em 17/05/2017, por volta das dezenove horas, o jornalista Lauro Jardim publicou em seu blog, hospedado por O Globo, o vazamento de uma gravação onde Joesley, do grupo J&F, controlador do JBS (Friboi), conversou com o presidente da república, Michel Temer. Nessa conversa, segundo a manchete do blog, Temer teria dado o aval para comprar o silêncio de Eduardo Cunha. No dia seguinte, às dezesseis horas, o presidente fez um pronunciamento dizendo que não renunciaria e alegou que não havia literalidade na gravação, sobre ele ter dado aval para comprar o silêncio de Cunha. Sobre essa literalidade, já publiquei um ensaio (aqui).

Por iniciativa do próprio Temer, via imprensa e não via jurídica, diga-se de passagem, o sigilo das gravações foi retirado pelo juiz do STF, no mesmo dia do pronunciamento. No dia seguinte ao pronunciamento, o jornalismo amanheceu adotando a alegação do presidente, dizendo que não havia a tal literalidade. A estratégia de Temer prosseguiu acusando a gravação de edição, a estratégia foi apoiada por perícias patéticas divulgadas nos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo.

Peritos renomados refutaram as perícias patéticas, entre eles o perito Ricardo Molina, que surpreendentemente, foi contratado pela defesa do Temer, que, de forma mais patética que os peritos que ele mesmo refutou, afirmou diante da imprensa, que a gravação não é uma prova válida, mas que ele ainda não tinha feito a perícia. Os meios de comunicação, incluindo redes sociais, se tornaram o tribunal político e jurídico do Brasil e se encarregaram de produzir a cortina de fumaça em questão.

A atuação do presidente se tornou secundária na novela, ficou mais próximo de um figurante do que um coadjuvante, o protagonismo passou para a edição na gravação, uma conspiração para eleger o Lula novamente presidente da república e o acordo realizado entre MPF e JBS. Isso colocou a Lava Jato no banco dos réus desse tribunal das opiniões. Antes de mostrar o que vejo atrás da cortina de fumaça, vou analisar brevemente, cada um dos fatores que compõem essa cortina de fumaça.

A gravação foi realmente editada, posso afirmar isso com base no fato de que a gravação foi feita com dois gravadores, portanto a gravação entregue ao MPF é uma composição das duas gravações, mas isso não invalida a gravação. Não vou entrar no mérito das perícias, isso é função dos peritos e advogados envolvidos no inquérito, se houver algo polêmico nas perícias, talvez eu publique uma análise.

Sobre a conspiração para eleger o Lula, com a substituição do Temer através de eleição direta, só posso dizer que é uma questão jurídica que não prevê essa possível eleição, então não há motivos para aprofundar a questão. Sobre o acordo com a JBS, trata-se de uma questão paralela que não pode e não deve ser usada em favor do presidente, muito menos para desviar a atenção do público em relação ao fato mais importante, as atitudes do presidente.

É necessário lembrar que existe uma possibilidade jurídica para a realização de eleições diretas, baseada na lei eleitoral, mas é controversa e só poderia ser aplicada no caso de cassação da chapa, que está em julgamento no STE. Em caso de renúncia ou impeachment, não há possibilidade jurídica de eleição direta, portanto não faz sentido criar uma situação de renúncia ou impeachment, para eleger o Lula, pois isso extinguiria justamente o processo no STE, que poderia permitir a desejada eleição. A teoria de que o cordo do JBS tem o objetivo de fazer uma eleição para eleger o Lula, é puro terrorismo barato.

Por trás da cortina de fumaça, vejo o seguinte: o Temer recebendo o Joesley de forma tão clandestina quanto a gravação que ele diz ser clandestina. Vejo a JBS envolvida em falcatruas, e as revelando, onde está envolvido o BNDS, mas vejo também que, essas falcatruas ocorreram quando o Henrique Meireles, atual ministro da fazenda, foi por oito anos, presidente do banco central, depois continuaram ocorrendo quando o Meireles foi presidente do conselho administrativo da J&F, que controla a JBS.

Então vejamos, se o Henrique Meireles não sabia de nada, por que Dilma saberia o que acontecia na Petrobras, ou saberia das tais pedaladas? Por que Lula saberia do Mensalão e das propinas destinadas aos partidos? Se havia essa montanha de falcatruas, envolvendo o BNDS, por que a atual presidente do banco não as denunciou? Por que foi preciso que a própria J&F (JBS) denunciasse? Não posso deixar de mencionar que Marco Antônio Villa está cobrando um relatório da presidente do BNDS há um ano.

Agora é necessário mencionar o que é possível ver sem nenhuma dificuldade, pois está na frente da cortina de fumaça. A preocupação maior entre os políticos e entre os “grandes empresários”, é manter a equipe econômica, inclusive a presidente do BNDS. Henrique Meireles é um dos mais cogitados para ser candidato à sucessão do Temer no colégio eleitoral. É oportuno lembrar que o Lula articulou, publicamente, para que o Meireles fosse nomeado ministro da fazenda pela Dilma, só não foi por que Dilma e Meireles não se bicam, mas o impeachment resolveu esse problema, não é?

A questão não é se Temer fica ou sai, a questão é, se a equipe econômica fica ou sai. Temer é descartável, assim como a Dilma, mas se for necessário mantê-lo até o final do mandato, para manter a equipe econômica, ele será mantido, não importa o custo. Essa é a questão que pode explicar o acordo entre MPF e J&F, prender os colaboradores deixaria a opinião pública satisfeita, mas não seria realizado o acordo, permitindo que as falcatruas envolvendo BNDS e outras empresas continuassem protegidas, inclusive continuando a serem praticadas. Alguém acredita que JBS e Odebrecht foram as únicas beneficiadas com falcatruas no BNDS? Aliás, o BNDS é sócio na JBS, como punir um sócio sem punir o outro?

No meu entendimento, o acordo com a J&F é secundário nesse momento, inclusive porque existem instrumentos que permitem a revisão do acordo em momentos apropriados e da forma apropriada. A questão não está em eleger novamente o Lula, mas em tirar do poder a organização criminosa inteira. São esses que estão no poder que podem eleger novamente o Lula, e tenho motivos para suspeitar que farão exatamente isso para continuar no poder. São esses que estão no poder, que agiram de forma mais intensa, para enfraquecer a Lava Jato. Para encerrar, não esqueçam que, em setembro deste ano, Temer vai nomear o novo Procurador Geral da República.

(Milton Valdameri, maio de 2017).


Nenhum comentário:

Postar um comentário