O ano de 2017 está terminando com um surpreendente corte de impostos
promovido pelo governo Trump nos EUA. A imprensa militante em favor
de Donald Trump se esforça para tornar esse episódio uma marca
incontestável de genialidade, mas a maioria esmagadora dos
economistas do mundo não se mostra otimista com esse episódio, ao
contrário, mostra-se receosa. No meu entendimento, o principal
problema até agora não está no corte de impostos propriamente
dito, mas no debate que está havendo sobre ele, ou seja, o debate
está ocorrendo apenas no âmbito político, com argumentação
baseada em idealismo sem apresentar argumentos técnicos. Tentarei
trazer ao público um pouco de argumentação técnica.
Infelizmente a imprensa não está divulgando maiores detalhes sobre
essa surpreendente lei, mas até aonde sei trata-se de corte na
alíquota do imposto de renda das empresas (de 35% para 21%) e existe
unanimidade em uma questão, os principais beneficiados serão as
grandes empresas, enquanto que para as pequenas empresas o corte na
alíquota não terá efeito relevante. Uma grande empresa americana
comemorou a aprovação da lei presentando cada um dos seus duzentos
mil funcionários com mil dólares, não sei se outras empresas
fizeram algo semelhante, mas a jornalista brasileira e militante em
favor do governo Trump, Joice Hasselman, noticiou o presente da
referida empresa com grande empolgação (aqui).
A primeira questão a ser observada, é a finalidade do sistema
tributário, pois é isso que determina se a carga tributária é
elevada ou não. Para entender melhor, considere o serviço prestado
em troca da arrecadação de impostos, o melhor exemplo está na
carga tributária da Suécia, que nominalmente é superior à carga
tributária do Brasil, mas o serviço de saúde público oferecido na
Suécia é tão bom quando os melhores serviços de saúde privados
no Brasil, o mesmo acontece com o ensino, com o transporte e outras
áreas.
Apenas por curiosidade, é interessante mencionar que na Suécia
muitos serviços são prestados por empresas privadas, isso significa
que o Estado não é inchado por servidores públicos, ele apenas
repassa os recursos financeiros e fiscaliza as atividades, mas não
elimina a fiscalização feita pelos cidadãos, pois o cidadão pode
processar essas empresas da mesma forma como processariam qualquer
outra empresa e com resposta satisfatória do poder judiciário,
enquanto isso, no Brasil o orçamento do judiciário é astronômico,
os processos intermináveis e tentar processar o sistema de saúde ou
de ensino é praticamente impossível.
A segunda questão a ser observada é a função que o imposto de
renda pode ter dentro de uma economia de livre mercado. Para que uma
economia possa ser de fato considerada de livre mercado, é
necessário que ela não seja manipulada pelo Estado nem pelo poder
econômico, portanto só existe livre mercado quando existem
regulamentações que impeçam o poder econômico de manipular o
mercado, enquanto que e o imposto de renda representa a forma mais
adequada de arrecadar recursos para promover a redistribuição de
renda. É importante ressaltar que redistribuição de renda é algo
implícito na teoria do livre mercado do Adam Smith e explícito na
obra de David Ricardo.
Eu não conheço a lei de imposto de renda dos EUA, não sei se
existe ou não uma faixa de isenção, ou seja, se o imposto é
cobrado sobre qualquer renda ou apenas após a renda atingir algum
patamar. Seja como for, seria muito mais eficiente criar ou ampliar a
faixa de isenção do que baixar a alíquota. Senão vejamos, uma
pequena empresa com lucro de 100 mil dólares, que pagava 35 mil de
imposto de renda (35%) e passará a pagar 21 mil dólares (21%),
aumentará sua renda em 14 mil dólares, mas uma empresa com lucro de
100 milhões de dólares aumentará sua renda em 14 milhões, ou
seja, poderá comprar várias pequenas empresas e diminuir a
concorrência, embora não signifique que isso efetivamente
acontecerá, ela poderá aumentar salários ou investir em qualquer
outra coisa, inclusive em outros países.
Supondo que não exista uma faixa de isenção, seria mais eficiente
criar este instrumento, como por exemplo, só tributar a renda que
for superior a cem mil dólares, desta forma as pequenas empresas do
exemplo anterior não pagariam imposto de renda e poderiam contratar
mais funcionários, inclusive ampliando seus negócios, enquanto que
as empresas com lucro de 200 mil dólares pagariam os mesmos 35% de
sempre, porém apenas sobre o excedente aos 100 mil da faixa de
isenção, ou seja, teriam uma redução de 50% no imposto de renda.
A renda da empresa que lucra 100 mil aumentaria em 35 mil da mesma
forma como a empresa que lucra 200 mil também aumentaria em 35 mil,
porém a diferença de renda entre as duas empresas continuaria sendo
de 65 mil, ou seja, ambas aumentaria sua renda igualmente sem que uma
se fortalecesse ou enfraquecesse mais que a outra.
Na pior das hipóteses, esse modelo que apresento aumentaria o
consumo, pois os pequenos empresários passaria a consumir mais, ou
produtos mais caros, mas a redução da alíquota não indica nenhum
efeito no aumento do consumo, portanto não haverá motivo para
aumentar produção, se não haverá aumento de produção, não
haverá aumento na oferta de empregos. Só haverá aumento no consumo
se as grandes empresas aumentarem os salários, então a redução da
alíquota só se justificaria se fosse acompanhada de uma lei que
transferisse a redução do imposto diretamente para os salários dos
empregados.
Na prática, o que o governo Trump está fazendo é o mesmo que o
Brasil faz há muito tempo, ou seja, incentivo fiscal e renúncia
fiscal, a diferença é que aparentemente, nos EUA lei beneficia a
economia como um todo e não apenas um ramo específico, mas isso é
só aparentemente, o ramo específico que está sendo beneficiado não
é um ramo da cadeia de produção, é o grande poder econômico como
controlador da economia.
A grande depressão de 1929 colocou as três grandes empresas
automobilísticas em situação falimentar, a situação foi
resolvida justamente pela greve dos trabalhadores que exigiram
melhores salários e garantias de emprego, a Chryasler e a Chevrolet
não relutaram em fazer acordo com os sindicatos, mas na Ford
acontecia uma grande conflito entre o patriarca Henry Ford, que não
aceitava fazer acordo com os sindicados e o seu filho que considerava
o acordo a única solução para sair da situação falimentar. O
conflito na Ford encerrou quando a esposa de Henry Ford o ameaçou
com o pedido de divórcio caso não fizesse o acordo com os
trabalhadores. O acordo foi feito e as empresas automobilísticas dos
EUA superaram a crise.
A cidade de Detroid, capital do automóvel por quase um século,
entrou em colapso depois que as grandes montadoras se transferiram
para outros países em busca de mão de obra barata. A economia da
cidade de Detroid só começou a se recuperar quando começaram a
surgir pequenas empresas como pequenas produtoras de roupas, nenhuma
grande empresa investiu em Detroit, portanto não há motivos para
dizer que o aumento de renda causado pela diminuição na alíquota
do imposto vai resultar em investimentos que gerem empregos ou algum
tipo de aumento no consumo, muito menos aumento na produção de
riquezas.
Mas é possível dizer com segurança que os EUA terão uma
quantidade de recursos menor para enfrentar o deficit público, que
já é astronômico e tudo indica que vai aumentar mais depois da
nova lei. Seja como for, a nova lei deverá causar uma euforia
inicial, mas o resultado só poderá começar a ser avaliado depois
de seis meses e só poderá ser avaliado efetivamente depois de um
ano.
Milton Valdameri, dezembro de 2017.
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