terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Brasil, Um Pais Dominado Pelo Terrorismo

Quando se fala em terrorismo as pessoas relacionam imediatamente com atentados realizados com bombas, atiradores em restaurantes ou aviões atingindo prédios, atualmente a palavra terrorismo costuma ser relacionada imediatamente com o islamismo, como se os atentados terroristas praticados por cristãos contra cristãos na Irlanda nunca tivessem ocorrido. Este ensaio pretende abordar a questão do terrorismo de forma muito mais ampla e profunda, então aqueles que temem ter suas crenças questionadas devem parar de ler o ensaio imediatamente.

Terrorismo é a prática de causar terror nas pessoas para obter poder sobre elas ou simplesmente subjugá-las por algum tempo. O terrorismo foi usado desde os tempos mais primórdios, no entanto era praticado para vencer guerras e depois de decididos os conflitos a prática não se mostrava mais necessária, mas num determinado momento da história o terrorismo passou a ser usado como poder político e não apenas como poder bélico, no entanto esse terrorismo só funciona se as pessoas não o identificarem como terrorismo.

O uso do terrorismo como prática constante para manter um grupo de pessoas subjugadas pode ser identificado pela primeira vez na história com a invenção do conceito de inferno, onde as pessoas passaram a viver sob a ameça constante de serem enviadas para um lugar terrível, caso não seguissem as determinações dos líderes que pregavam, e ainda pregam, a existência do inferno. Esse método foi usado inicialmente de forma isolada e por indivíduos que não detinham nenhum poder político e nunca chegaram a constituir um poder político institucionalizado, muito pelo contrário, foi combatido pelos poderes políticos institucionalizados durante dois séculos.

Mas no século IV o imperador Constantino oficializou esse método no Império Romano. Ironicamente, após oficializar o método de aterrorizar as pessoas com a ideia do inferno, o próprio Império Romano foi vítima de outra prática de terrorismo aplicada pelos hunos. O povo huno, originário da ásia, viveu durante séculos praticando saques, mas na segunda metade do século IV eles dominaram a maior parte da Europa e constituíram um império, que substituiu os saques pela extorsão e os outros povos pagam impostos para os hunos em troca de não serem saqueados, o poderoso Império Romano era um desses povos, era o principal mantenedor do Império Huno.

A história dos hunos mostra que, por mais eficiente e poderoso que o terrorismo explícito pode ser, ele sempre será combatido e mais dias ou menos dias ele será derrotado, mesmo que apenas para ser substituído. No livro A Arte da Guerra, escrito pelo chinês Sun Tzu no século IV antes da era comum, que até hoje é estudado pelos mais elevados membros das forças armadas dos países mais poderosos, está escrito mais ou menos o seguinte: “Quando apenas um lado sabe que está em guerra, o outro lado não tem a menor chance de sair vitorioso”. Hitler estava em guerra contra o mundo, mas o mundo só foi perceber depois que ele já tinha construído a maior máquina de guerra já conhecida até aquela época e as consequências são conhecidas.

Mas o que me fez escrever este ensaio foi um episódio recente, que se tornou um dos principais focos de polêmica na internet brasileira durante aproximadamente uma semana. A Rádio Jovem Pan abordou o tema em alguns de seus programas e não sei se outros meios de comunicação tradicionais o fizeram, mas suponho que sim. A polêmica envolve uma futura ministra e Jesus num pé de goiabeira.

Na segunda semana de dezembro de 2018 começou a circular no Youtube um vídeo mostrando a pastora Damares Alves, futura ministra do governo Bolsonaro, dando um depoimento na Igreja que ela comanda. O vídeo que causou a polêmica não mostrava o depoimento inteiro, foi editado para focar na parte onde ela disse ter visto Jesus subir num pé de goiaba. O episódio se transformou em piada e surgiu uma charge com o Chico Bento e Jesus em cima de um pé de goiaba. Mas os defensores do Bolsonaro reagiram transformando o episódio em ofensa a uma pessoa e a fé da pessoa em questão.

O ponto principal dos defensores do Bolsonaro para acusar os piadistas é o fato dessa pastora ter sido vítima de abuso sexual na infância e que o depoimento está relacionado com esse abuso. Começaram acusar os piadistas de debocharem da pastora por ela ter sofrido abuso, quando o vídeo que causou a piada teve cuidado de desvincular o caso de abuso da piada. Para acusar os piadistas, o vídeo com o depoimento inteiro começou a ser divulgado, como se fosse aquele o vídeo que originou a piada.

No programa Os Pingos nos Is (https://www.youtube.com/watch?v=frrufInZENk&t=671s), da Rádio Jovem Pan, o respeitado jornalista Augusto Nunes mencionou que só soube do abuso após ver o outro vídeo e reprimindo a atitude dos piadistas por esse motivo, deixando óbvio que no primeiro momento, com o vídeo focando apenas na goiabeira, o respeitado jornalista não viu nenhum desrespeito ou ofensa. Portanto a tal ofensa não passa de uma intenção que os defensores do Bolsonaro atribuíram aos piadistas. Quando digo defensores do Bolsonaro, o faço porque não estão defendendo a Damares e sim a futura ministra do governo Bolsonaro, se ela não estivesse indicada para assumir o ministério não haveria a reação que houve.

Mas a defesa que os conservadoristas fizeram mostra que a situação é muito mais grave do que parece, se tem alguém que debochou do abuso sexual sofrido na infância, foi a própria Damares Alves. A própria Damares revelou em entrevista que foi abusada por dois anos por um pastor evangélico, dos seis aos oito anos, mas o pastor evangélico foi omitido no depoimento do vídeo e os defensores do Bolsonaro também omitem quando mencionam o abuso.

Um segundo pastor também abusou dela, mas não teria chegado à vias de fato e ela se recorda de quatro episódios, mas ela não diz que idade tinha quando o segundo pastor abusou dela, diz apenas que foi depois que o abuso do primeiro pastor tinha encerrado. Até o momento não é possível saber se o episódio da goiabeira, que teria ocorrido quando ela tinha dez anos, ocorreu enquanto os abusos do segundo pastor estavam ocorrendo ou se já haviam deixado de ocorrer, mas ninguém mostrou interesse em tal informação.

O episódio do pé de goiaba está diretamente relacionado com o desejo de se suicidar, Damares teria subido no pé de goiaba com algum tipo de veneno e desistido do suicídio após ver Jesus. É fácil deduzir que ela pensou em suicídio por causa dos abusos, mas sem saber se os abusos já haviam parado e há quanto tempo não ocorriam mais, essa dedução é equivocada, pois uma tentativa de suicídio requer algo que provoque a iniciativa, ou seja, é necessário a gota d’água que faça o copo transbordar. Evidentemente o abuso é causa principal da depressão que a levou a tentar suicídio, mas até o momento fica a dúvida sobre haver ou não algo que desencadeou a tentativa.

Mas a questão neste ensaio não é questionar detalhes sobre a história da Damares, muito pelo contrário, a Damares nem é a questão principal neste ensaio, mas sim o episódio completo, onde os protagonistas viraram meros coadjuvantes a serem esquecidos no contexto. A própria Damares se referiu a Jesus como seu amigo imaginário e disse que é comu crianças dizerem que viram fadas ou duendes e isso é fato determinante para encerar a polêmica da piada, pois se ela tivesse falado que viu uma fada no pé de goiaba, ninguém se sentiria ofendido com a piada feita na internet.

É necessário entender que ninguém faria piada com uma criança dizendo que viu uma fada, mas não se trata de uma criança e sim de uma pessoa adulta que está prestes a assumir um ministério no governo brasileiro. Você confiaria num ministro que diz ter visto uma fada quando criança? Se a Damares tivesse mencionado uma fada, alguém teria saído em sua defesa? Alguém aceitaria como verdadeiro o testemunho de alguém que desistiu de se suicidar por ter visto uma fada? Se alguém disser que Jesus apareceu para ele e contou que a história da Damares não é verdadeira, alguém acreditaria nesse testemunho?

O testemunho da Damares pode ser resumido da seguinte forma: “Sofri abuso sexual quando criança, mas agora está tudo bem”. O problema é que não está tudo bem. Primeiro, porque ela usou o episódio para fazer seus seguidores acreditarem naquilo que ela prega. Segundo, porque muitas pessoas que foram vítimas de abuso sexual ficam traumatizadas por toda a vida, eu poderia citar o exemplo de uma atriz que já fez muito sucesso, mas o sucesso nunca foi capaz de apagar o trauma, como ocorre no caso da Damares. Terceiro, porque não há indícios de que a Damares tivesse mencionado o ocorrido em outra ocasião e não há como saber o motivo de ter mencionado agora.

Mas a parte mais grave e que faz com que a própria Damares esteja debochando do abuso sexual, é que ela não se preocupou em denunciar os abusadores. Aqueles que se sentiram ofendidos pela piada deveriam sentir-se agradecidos, pois foi revelado que pastores evangélicos praticam pedofilia e ninguém faz nada. A ministra Damares assumirá o ministério com a responsabilidade de dizer à população se, no exercício de sua função como pastora evangélica, ela orientou seus seguidores sobre os riscos que as crianças correm de sofrer abuso sexual por pastores e se orientou como agir caso isso ocorra.

Infelizmente ninguém se sentiu ofendido pelos pastores que abusaram da Damares, só se sentiram ofendidos por uma piada que usou a figura de Jesus em vez de usar uma fada. Se transformar uma piada em algo mais grave que o abuso sexual de uma criança não é terrorismo, então este ensaio deve ser severamente criticado. Quanto ao efeito que esse terrorismo causou, é fácil entender, qualquer crítica à ministra será considerado como desrespeito a uma criança que sofreu abuso sexual e ou ofensa à crença que ela defende.

É esse tipo de terrorismo que tem pautado a vida dos brasileiros, a campanha que elegeu Collor presidente foi a mesma que levou o Lula para o segundo turno, como estratégia para não enfrentar o Brisola e, ironicamente, o ponto central do segundo turno foi deixar a população com medo de o Lula confiscar a poupança. A campanha de José Serra usou a atriz Regina Duarte para criar o medo da volta da inflação, enquanto que Lula usava a seu favor o medo das privatizações, depois o medo que o Bolsa Família acabasse. Dilma aterrorizou os eleitores fazendo pratos de comida sumirem, mas nenhuma eleição foi mais marcada pelo medo do que a última, onde as pessoas votaram no Bolsonaro por medo do PT e no PT por medo do Bolsonaro.

Mas não vou deixar a eleição de FHC de fora, embora o Plano Real tenha sido o fator determinante, o medo do PT já existia naquela eleição e só foi superado por outro medo propagado pelo próprio PT, que está relacionado com as privatizações de certas empresas, ironicamente uma das empresas que as pessoas tinham medo que fosse privatizada é a Petrobras, que foi depredada. As pessoas estão acostumadas a ver como terrorismo o ato de uma ou de poucas pessoas causando terror em muitas, mas quando muitas causam o terror o conceito de terrorismo desaparece.


(Milton Valdameri, dezembro de 2018).


Um comentário:

  1. Fantástico Milton. parabéns! Sua análise está perfeita. Eu fiquei me perguntando sobre o caso Damaris também (sou desconfiada e cética por natureza) não havia matado a charada até o momento. Aliás o terrorismo psicológico é o mais comum em nossa sociedade e é o pior pois é dificil de ser apreendido pela maioria. Apenas uma pequena minoria que lê e possui alguma capacidade cognitiva ou minimamente aberta para desconfianças pode perceber este mundo. Obrigada por compartilhar o ensaio vou replicar.

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