Quando se fala em terrorismo
as pessoas relacionam imediatamente com atentados realizados com
bombas, atiradores em restaurantes ou aviões atingindo prédios,
atualmente a palavra terrorismo costuma ser relacionada imediatamente
com o islamismo, como se os atentados terroristas praticados por
cristãos contra cristãos na Irlanda nunca tivessem ocorrido. Este
ensaio pretende abordar a questão do terrorismo de forma muito mais
ampla e profunda, então aqueles que temem ter suas crenças
questionadas devem parar de ler o ensaio imediatamente.
Terrorismo é a prática de
causar terror nas pessoas para obter poder sobre elas ou simplesmente
subjugá-las por algum tempo. O terrorismo foi usado desde os tempos
mais primórdios, no entanto era praticado para vencer guerras e
depois de decididos os conflitos a prática não se mostrava mais
necessária, mas num determinado momento da história o terrorismo
passou a ser usado como poder político e não apenas como poder
bélico, no entanto esse terrorismo só funciona se as pessoas não o
identificarem como terrorismo.
O uso do terrorismo como
prática constante para manter um grupo de pessoas subjugadas pode
ser identificado pela primeira vez na história com a invenção do
conceito de inferno, onde as pessoas passaram a viver sob a ameça
constante de serem enviadas para um lugar terrível, caso não
seguissem as determinações dos líderes que pregavam, e ainda
pregam, a existência do inferno. Esse método foi usado inicialmente
de forma isolada e por indivíduos que não detinham nenhum poder
político e nunca chegaram a constituir um poder político
institucionalizado, muito pelo contrário, foi combatido pelos
poderes políticos institucionalizados durante dois séculos.
Mas no século IV o imperador
Constantino oficializou esse método no Império Romano.
Ironicamente, após oficializar o método de aterrorizar as pessoas
com a ideia do inferno, o próprio Império Romano foi vítima de
outra prática de terrorismo aplicada pelos hunos. O povo huno,
originário da ásia, viveu durante séculos praticando saques, mas
na segunda metade do século IV eles dominaram a maior parte da
Europa e constituíram um império, que substituiu os saques pela
extorsão e os outros povos pagam impostos para os hunos em troca de
não serem saqueados, o poderoso Império Romano era um desses povos,
era o principal mantenedor do Império Huno.
A história dos hunos mostra
que, por mais eficiente e poderoso que o terrorismo explícito pode
ser, ele sempre será combatido e mais dias ou menos dias ele será
derrotado, mesmo que apenas para ser substituído. No livro A Arte
da Guerra, escrito pelo chinês Sun Tzu no século IV antes da
era comum, que até hoje é estudado pelos mais elevados membros das
forças armadas dos países mais poderosos, está escrito mais ou
menos o seguinte: “Quando apenas um lado sabe que está em
guerra, o outro lado não tem a menor chance de sair vitorioso”.
Hitler estava em guerra contra o mundo, mas o mundo só foi perceber
depois que ele já tinha construído a maior máquina de guerra já
conhecida até aquela época e as consequências são conhecidas.
Mas o que me fez escrever este
ensaio foi um episódio recente, que se tornou um dos principais
focos de polêmica na internet brasileira durante aproximadamente uma
semana. A Rádio Jovem Pan abordou o tema em alguns de seus programas
e não sei se outros meios de comunicação tradicionais o fizeram,
mas suponho que sim. A polêmica envolve uma futura ministra e Jesus
num pé de goiabeira.
Na segunda semana de dezembro
de 2018 começou a circular no Youtube um vídeo mostrando a pastora
Damares Alves, futura ministra do governo Bolsonaro, dando um
depoimento na Igreja que ela comanda. O vídeo que causou a polêmica
não mostrava o depoimento inteiro, foi editado para focar na parte
onde ela disse ter visto Jesus subir num pé de goiaba. O episódio
se transformou em piada e surgiu uma charge com o Chico Bento e Jesus
em cima de um pé de goiaba. Mas os defensores do Bolsonaro reagiram
transformando o episódio em ofensa a uma pessoa e a fé da pessoa em
questão.
O ponto principal dos
defensores do Bolsonaro para acusar os piadistas é o fato dessa
pastora ter sido vítima de abuso sexual na infância e que o
depoimento está relacionado com esse abuso. Começaram acusar os
piadistas de debocharem da pastora por ela ter sofrido abuso, quando
o vídeo que causou a piada teve cuidado de desvincular o caso de
abuso da piada. Para acusar os piadistas, o vídeo com o depoimento
inteiro começou a ser divulgado, como se fosse aquele o vídeo que
originou a piada.
No programa Os Pingos nos
Is (https://www.youtube.com/watch?v=frrufInZENk&t=671s),
da Rádio Jovem Pan, o respeitado jornalista Augusto Nunes mencionou
que só soube do abuso após ver o outro vídeo e reprimindo a
atitude dos piadistas por esse motivo, deixando óbvio que no
primeiro momento, com o vídeo focando apenas na goiabeira, o
respeitado jornalista não viu nenhum desrespeito ou ofensa. Portanto
a tal ofensa não passa de uma intenção que os defensores do
Bolsonaro atribuíram aos piadistas. Quando digo defensores do
Bolsonaro, o faço porque não estão defendendo a Damares e sim a
futura ministra do governo Bolsonaro, se ela não estivesse indicada
para assumir o ministério não haveria a reação que houve.
Mas a defesa que os
conservadoristas fizeram mostra que a situação é muito mais grave
do que parece, se tem alguém que debochou do abuso sexual sofrido na
infância, foi a própria Damares Alves. A própria Damares revelou
em entrevista que foi abusada por dois anos por um pastor evangélico,
dos seis aos oito anos, mas o pastor evangélico foi omitido no
depoimento do vídeo e os defensores do Bolsonaro também omitem
quando mencionam o abuso.
Um segundo pastor também
abusou dela, mas não teria chegado à vias de fato e ela se recorda
de quatro episódios, mas ela não diz que idade tinha quando o
segundo pastor abusou dela, diz apenas que foi depois que o abuso do
primeiro pastor tinha encerrado. Até o momento não é possível
saber se o episódio da goiabeira, que teria ocorrido quando ela
tinha dez anos, ocorreu enquanto os abusos do segundo pastor estavam
ocorrendo ou se já haviam deixado de ocorrer, mas ninguém mostrou
interesse em tal informação.
O episódio do pé de goiaba
está diretamente relacionado com o desejo de se suicidar, Damares
teria subido no pé de goiaba com algum tipo de veneno e desistido do
suicídio após ver Jesus. É fácil deduzir que ela pensou em
suicídio por causa dos abusos, mas sem saber se os abusos já haviam
parado e há quanto tempo não ocorriam mais, essa dedução é
equivocada, pois uma tentativa de suicídio requer algo que provoque
a iniciativa, ou seja, é necessário a gota d’água que faça o
copo transbordar. Evidentemente o abuso é causa principal da
depressão que a levou a tentar suicídio, mas até o momento fica a
dúvida sobre haver ou não algo que desencadeou a tentativa.
Mas a questão neste ensaio
não é questionar detalhes sobre a história da Damares, muito pelo
contrário, a Damares nem é a questão principal neste ensaio, mas
sim o episódio completo, onde os protagonistas viraram meros
coadjuvantes a serem esquecidos no contexto. A própria Damares se
referiu a Jesus como seu amigo imaginário e disse que é comu
crianças dizerem que viram fadas ou duendes e isso é fato
determinante para encerar a polêmica da piada, pois se ela tivesse
falado que viu uma fada no pé de goiaba, ninguém se sentiria
ofendido com a piada feita na internet.
É necessário entender que
ninguém faria piada com uma criança dizendo que viu uma fada, mas
não se trata de uma criança e sim de uma pessoa adulta que está
prestes a assumir um ministério no governo brasileiro. Você
confiaria num ministro que diz ter visto uma fada quando criança? Se
a Damares tivesse mencionado uma fada, alguém teria saído em sua
defesa? Alguém aceitaria como verdadeiro o testemunho de alguém que
desistiu de se suicidar por ter visto uma fada? Se alguém disser que
Jesus apareceu para ele e contou que a história da Damares não é
verdadeira, alguém acreditaria nesse testemunho?
O testemunho da Damares pode
ser resumido da seguinte forma: “Sofri abuso sexual quando criança,
mas agora está tudo bem”. O problema é que não está tudo bem.
Primeiro, porque ela usou o episódio para fazer seus seguidores
acreditarem naquilo que ela prega. Segundo, porque muitas pessoas que
foram vítimas de abuso sexual ficam traumatizadas por toda a vida,
eu poderia citar o exemplo de uma atriz que já fez muito sucesso,
mas o sucesso nunca foi capaz de apagar o trauma, como ocorre no caso
da Damares. Terceiro, porque não há indícios de que a Damares
tivesse mencionado o ocorrido em outra ocasião e não há como saber
o motivo de ter mencionado agora.
Mas a parte mais grave e que
faz com que a própria Damares esteja debochando do abuso sexual, é
que ela não se preocupou em denunciar os abusadores. Aqueles que se
sentiram ofendidos pela piada deveriam sentir-se agradecidos, pois
foi revelado que pastores evangélicos praticam pedofilia e ninguém
faz nada. A ministra Damares assumirá o ministério com a
responsabilidade de dizer à população se, no exercício de sua
função como pastora evangélica, ela orientou seus seguidores sobre
os riscos que as crianças correm de sofrer abuso sexual por pastores
e se orientou como agir caso isso ocorra.
Infelizmente ninguém se
sentiu ofendido pelos pastores que abusaram da Damares, só se
sentiram ofendidos por uma piada que usou a figura de Jesus em vez de
usar uma fada. Se transformar uma piada em algo mais grave que o
abuso sexual de uma criança não é terrorismo, então este ensaio
deve ser severamente criticado. Quanto ao efeito que esse terrorismo
causou, é fácil entender, qualquer crítica à ministra será
considerado como desrespeito a uma criança que sofreu abuso sexual e
ou ofensa à crença que ela defende.
É esse tipo de terrorismo que
tem pautado a vida dos brasileiros, a campanha que elegeu Collor
presidente foi a mesma que levou o Lula para o segundo turno, como
estratégia para não enfrentar o Brisola e, ironicamente, o ponto
central do segundo turno foi deixar a população com medo de o Lula
confiscar a poupança. A campanha de José Serra usou a atriz Regina
Duarte para criar o medo da volta da inflação, enquanto que Lula
usava a seu favor o medo das privatizações, depois o medo que o
Bolsa Família acabasse. Dilma aterrorizou os eleitores fazendo
pratos de comida sumirem, mas nenhuma eleição foi mais marcada pelo
medo do que a última, onde as pessoas votaram no Bolsonaro por medo
do PT e no PT por medo do Bolsonaro.
Mas não vou deixar a eleição
de FHC de fora, embora o Plano Real tenha sido o fator determinante,
o medo do PT já existia naquela eleição e só foi superado por
outro medo propagado pelo próprio PT, que está relacionado com as
privatizações de certas empresas, ironicamente uma das empresas que
as pessoas tinham medo que fosse privatizada é a Petrobras, que foi
depredada. As pessoas estão acostumadas a ver como terrorismo o ato
de uma ou de poucas pessoas causando terror em muitas, mas quando
muitas causam o terror o conceito de terrorismo desaparece.
(Milton Valdameri, dezembro de
2018).
Fantástico Milton. parabéns! Sua análise está perfeita. Eu fiquei me perguntando sobre o caso Damaris também (sou desconfiada e cética por natureza) não havia matado a charada até o momento. Aliás o terrorismo psicológico é o mais comum em nossa sociedade e é o pior pois é dificil de ser apreendido pela maioria. Apenas uma pequena minoria que lê e possui alguma capacidade cognitiva ou minimamente aberta para desconfianças pode perceber este mundo. Obrigada por compartilhar o ensaio vou replicar.
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