sábado, 20 de março de 2021

A Dialética de Hegel

 

Em meu livro, As Veias Abertas do Marxismo, eu dedico um capítulo à explicação do que é dialética. Durante a pesquisa que originou o livro (2012) eu tentei encontrar uma descrição ou definição do suposto “método dialético” que o marxismo diz ter sido descoberto por Hegel, ou por Marx baseando-se em Hegel, mas nunca encontrei nada que indicasse que o suposto método existisse.


Dois anos após a publicação do livro, que é um estrondoso fracasso de vendas, não apareceu nenhuma contestação aos argumentos apresentados, mas apareceram depreciações ao autor (falácia ad hominem) e uma delas foi justamente tentando me depreciar depois que eu disse que escrevi o livro sobre Marx sem ler a obra de Hegel.

Não importa o quanto Hegel teria influenciado Marx, para analisar a obra de Marx é necessário considerar o que Marx afirmou ou deixou de afirmar, não importa se afirmou por influência desse ou daquele autor. Inclusive a afirmação de que Marx foi influenciado por Hegel é descabida, é um delírio marxista que tenta dar consistência à obra de Marx estabelecendo um vínculo com a obra de Hegel, ou seja, usam a falácia do apelo à autoridade para dar credibilidade ao Marx.

Mas como eu costumo rever e ou retomar minhas pesquisas, eu fiz nova busca por descrições ou definições do suposto “método dialético” e desta vez encontrei vários vídeos abordando essa questão, todos marxistas e todos tratando a questão como se o suposto “método dialético” existisse. Ocorre que nenhum dos vídeos encontrados atendeu ao critério científico do necessário e suficiente, que eu utilizo em minhas pesquisas e em meus livros.

Em verdade, os vídeos não apresentaram nada do que é necessário para identificar um suposto “método dialético”, obviamente que se não apresentaram nada do que é necessário também não apresentaram o suficiente. No entanto, os vídeos permitiram que eu entendesse a origem desse delírio e também conhecesse um pouco da obra de Hegel. Desta forma eu vou construir aqui um raciocínio que mostra como Hegel se relacionou com a dialética. Ressalto que uso fontes marxistas, portanto não há como dizer que estou sendo influenciado pelo capitalismo.

Hegel é conhecido por ter definido que a história segue uma trajetória dialética que se divide em três momentos, a tese, a antítese e a síntese. Ocorre que Hegel nunca fez tal afirmação, essa afirmação é uma interpretação dos estudiosos de Hegel. Na obra propriamente dita é afirmado o seguinte: “A lógica tem, segundo a forma, três lados: a) o lado abstrato ou do entendimento (interpretado como tese); b) o dialético ou negativamente racional (antítese); c) o especulativo ou positivamente racional (síntese)”. A fonte utilizada foi um vídeo disponível na internet (aqui).

Observa-se que Hegel usou o termo lógica de uma forma inapropriada, pois não tem relação com a lógica apresentada ao mundo por Aristóteles, que é a lógica propriamente dita. Em verdade, o termo “lógica” utilizado por Hegel significa raciocínio, portanto é o raciocínio que em sua forma tem três lados, ou três momentos. Outro ponto crítico é que o termo dialético aparece no segundo momento do raciocínio, então constata-se que Hegel nem mesmo usou o termo dialética para estabelecer os parâmetros usados em suas obras.

Senão vejamos, no suposto “método dialético” o dialético é o segundo momento de um raciocínio, logo o método não pode ser dialético sob pena de tornar o método parte de si mesmo, ou seja, no segundo momento o método reiniciaria o método infinitamente.

A obra de Hegel é toda baseada na história, na tentativa de entender a história. Um dos argumentos marxistas sobre a dialética de Hegel, é que nessa dialética não existe contraditório externo e por isso seria uma dialética diferente daquela definida por Sócrates, Platão e Aristóteles. Ocorre que o objeto do raciocínio do Hegel é a própria história e não há possibilidade de apresentar um fato de fora da história para se contrapor a um fato de dentro da história, todos os fatos históricos são necessariamente internos à história.

Francis Fukuyama, um renomado estudioso de Hegel, publicou um livro em 1989 intitulado O Fim da História e o Último Homem, “Em seu estudo, Fukuyama toma como referência não só a noção de Hegel, mas também a de Marx. Para ambos, diz o autor, a evolução das sociedades humanas não era ilimitada, mas terminaria quando a humanidade alcançasse uma forma de sociedade que pudesse satisfazer suas aspirações mais profundas e fundamentais. Neste sentido, os dois pensadores previram um ‘fim da história’. Para Hegel, tal fim seria o Estado liberal; para Marx a sociedade comunista”.

O estudo de Fukuyama apresenta dois finais para a história um idealizado por Hegel e outro idealizado por Marx. Não vem ao caso analisar os finais da história idealizados, mas é imprescindível observar que, se a dialética é um método, então esse método se propõe a prever o fim da história, porém o método apresenta um resultado para Hegel e outro para Marx, logo, ou o método é falho ou foram usados dois métodos diferentes, ambos denominados de “método dialético”. Desta forma conclui-se que cada indivíduo pode ter seu próprio “método dialético” e obter o resultado que mais lhe agradar. Em minha humilde arrogância, atrevo-me a dizer que isso denomina-se achismo e não método.

Mas eu não devo apresentar meu entendimento da obra de Hegel sem antes mencionar o meu vídeo preferido, seria privar o leitor da parte mais divertida. O vídeo está disponível aqui e citarei algumas “pérolas” dignas de destaque e na ordem em que aparecem no vídeo.

Aos cinco minutos, aproximadamente, o termo idealismo foi usado com o significado de ideologia, inclusive mencionando que as pessoas relacionam idealismo com ideias, no entanto, idealismo está relacionado com ideal e não ideia, aliás, Marx escreveu a Ideologia Alemã e não o Idealismo Alemão, usando a palavra ideologia  da mesma forma como Napoleão Bonaparte a usou, depreciando o termo ideologia. Ressalte-se que Napoleão depreciou o termo porque os ideólogos defendia a república e não a monarquia, enquanto que Marx usou o termo ideologia para identificar um grupo que não se identificava como ideólogos.

Aos seis minutos e vinte e seis segundos foi afirmado: “Marx diz que o método dialético foi, não somente descoberto por Hegel mas foi também mistificado por ele”. Então vejamos, Hegel nunca fez referência a um suposto “método dialético”, nenhum estudioso de Hegel identificou um suposto “método dialético” em sua obra, somente Marx afirma que Hegel descobriu esse suposto método e a única aplicação que foi encontrada para o suposto método é a satisfação da crença marxista, ou seja, Hegel não mistificou nenhum método e Marx fantasiou a descoberta de um suposto método que só existe numa mistificação denominada marxismo.

Aos seis minutos e quarenta e sete segundos foi afirmado: “A gente não pode, toda via, achar que a dialética é somente um método, uma coisa certinha, uma receita pronta que você aplica na realidade e consegue interpretá-la e ter acesso ao real. Isso na verdade é uma coisa extremamente anti dialética, tornar a dialética simplesmente um método”.

Então vejamos, tornar o suposto “método dialético” em apenas um método é anti dialético, logo é necessário que alguém diga como é possível tornar um método algo que não seja apenas um método, além do mais, se o método for “apenas um método” será anti dialético, então dialética não pode ser um método, pois um método não pode ser mais nem menos que um método. Também merece destaque a parte que fala em interpretar a realidade e ter acesso ao real, com ênfase em duas perguntinhas básicas: 1) o real é uma interpretação da realidade? 2) Como é possível interpretar a realidade sem ter acesso ao real?

Aos vinte minutos foi afirmado: “É preciso tomar muito cuidado quando a gente ouve ‘qualquer um’ falando sobre Hegel porque tem muita gente que vai falar sobre Hegel e reproduz o senso comum e não tem nada a ver com o que o próprio Hegel dizia ou escreveu”. Suponho que eu esteja enquadrado na categoria “qualquer um”, da mesma forma como qualquer um que não satisfaça a crença marxista será enquadrado nessa mesma categoria. Quanto ao “tomar muito cuidado”, eu também recomendo, porém esse cuidado deve ser tomado examinando o conteúdo, a veracidade das premissas e a consistência lógica daquilo que foi afirmado.

Agora chegou o momento deste “qualquer um” apresentar sua própria compreensão sobre a obra de Hegel, mas antes é necessário ressaltar que eu não sou um estudioso de Hegel e realizei apenas uma pesquisa superficial, utilizando o critério do necessário e suficiente para esclarecer a questão do suposto “método dialético”. Não obstante, posso afirmar com segurança que restou comprovado que o tal “método dialético” não existe, é uma mistificação marxista, um retumbante delírio.

Mas a pesquisa, embora superficial, permitiu construir uma boa compreensão da obra de Hegel, não restaram dúvidas sobre a obra de Hegel se propor à compreensão da história, identificar a dinâmica através da qual a história se desenvolve e construir o raciocínio que permite compreender o momento que está sendo vivido ou foi vivido.

A dinâmica através da qual a história se desenvolve é a dialética, mas não apenas a dialética da argumentação, onde um argumento supera o outro, na trajetória da história existe a dialética da imposição, onde o mais forte impõe a sua vontade. A antiguidade foi vivida praticamente apenas com a dialética da imposição, a idade média e a idade moderna já apresentam a dialética da argumentação, com o cristianismo e o iluminismo, mas a imposição ainda está presente.

O raciocínio construído por Hegel era constituído por três momentos, antiguidade como primeiro momento ou tese, o cristianismo como segundo momento ou antítese (representando idade média e idade moderna) e a revolução francesa como terceiro momento ou síntese, que era o momento vivido por Hegel. Com todo o respeito que o Fukuyama merece, atrevo-me a dizer que Hegel não idealizou um fim para a história, o liberalismo não representava um fim para a história, representava apenas o terceiro momento de um raciocínio, o raciocínio que tentava compreender e explicar a história até então vivida pela humanidade.

As revoluções de 1848 sustentam minha argumentação de forma extremamente significativa, pois após essas revoluções Hegel foi perdendo importância de forma vertiginosa, evidentemente porque as revoluções colocaram mais um momento no raciocínio necessário para a compreensão da história. Mas isso não significa que o raciocínio passou a ter quatro momentos, significa que um novo raciocínio deve ser construído, onde o momento vivido após as revoluções de 1848 é o terceiro momento (síntese), a revolução francesa é o segundo momento (antítese) e as idades, moderna e medieval passam a constituir o primeiro momento (tese) junto com a antiguidade.

Para o raciocínio de Hegel a história terminou com as revoluções de 1848, mas a história não encerrou sua trajetória dialética, pois novos momentos dialéticos surgiram, não apenas as revoluções de 1848, mas a Primeira Guerra mundial encerrando a Confederação Alemã, a Segunda Guerra Mundial iniciando e encerrando a Alemanha nazista, a Guerra Fria, o fim da URSS e os 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil.

Hegel teve grande importância para sua época, mas deixou de ser relevante após as revoluções de 1848 porque sua obra não abordava e nem tinha como abordar aquele momento da história. Hoje continua sendo importante, mas apenas para entender o período da história que ele viveu, a tendência do pensamento da sua época. Quanto à importância de Hegel para o marxismo, posso apenas dizer que o marxismo não tem nada para acrescentar ao conhecimento humano, muito pelo contrário, é uma mistificação que impede o desenvolvimento do conhecimento.

Milton Valdameri (Março de 2021)



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